terça-feira, 30 de maio de 2023

“À minha nação” - Pier Paolo Pasolini

 

Pasolini na torre de chia. Foto de Deborah beer

 “À minha nação”

Nem povo árabe, nem povo balcânico, nem povo antigo,

mas nação viva, nação europeia:

que és tu? Terra de recém-nascidos, esfomeados, corruptos,

governantes empregados de latifundiários, prefeitos reacionários,

advogadinhos besuntados com brilhantina e com pés sujos,

funcionários liberais, canalhas como os tios beatos,

uma caserna, um seminário, uma praia livre, uma confusão!

Milhões de pequeno-burgueses como milhões de porcos

pastam empurrando-se junto aos pequenos prédios ilesos,

entre casas coloniais degradadas já como igrejas

Precisamente por teres existido, já não existes,

precisamente por teres sido consciente, és inconsciente.

E só por seres católica, não podes pensar

que o teu mal é todo o mal: culpa de todos os males.

Afunda-te neste teu belo mar, liberta o mundo.

 

Pier Paolo Pasolini

tradução: João Coles

 

“Alla mia nazione”, in La religione del mio tempo, Garzanti, Milano


ALLA MIA NAZIONE

Non popolo arabo, non popolo balcanico, non popolo antico,

ma nazione vivente, ma nazione europea:

e cosa sei? Terra di infanti, affamati, corrotti,

governanti impiegati di agrari, prefetti codini,

avvocatucci unti di brillantina e i piedi sporchi,

funzionari liberali carogne come gli zii bigotti,

una caserma, un seminario, una spiaggia libera, un casino!

Milioni di piccoli borghesi come milioni di porci

pascolano sospingendosi sotto gli illesi palazzotti,

tra case coloniali scrostate ormai come chiese.

Proprio perché tu sei esistita, ora non esisti,

proprio perché fosti cosciente, sei incosciente.

E solo perché sei cattolica, non puoi pensare

che il tuo male è tutto il male: colpa di ogni male.

Sprofonda in questo tuo bel mare, libera il mondo.

“Alla mia nazione”, in La religione del mio tempo, Garzanti, Milan

 

sábado, 27 de maio de 2023

Impala - Fernando Couto

 

Impala

 

Elegância devia ser o teu nome

ou mesmo graça e harmonia

ou ainda leveza, etérea leveza.

Saltas e o arco nasce da terra

com o fulgor do voo do colibri.

O airoso ganha todo o esplendor

no diáfano contorno do teu corpo.

Vestem-se os reflexos do sol

nos vários areais desertos,

os seus variados reflexos.

 

Fernando Couto

 

quinta-feira, 25 de maio de 2023

A Justiça - FATMA GALIA

 

A Justiça

Quem não suspira pelo anseio de justiça?

Procuro a por toda a parte e

não a encontro.

 

Quem sabe onde se esconde?

Chamo a e não me responde.

 

Quem a tenha retida

que a solte já.

 

Quantos inocentes pereceram

sem que ninguém lhes tenha

dado a razão.

 

Quantos ficaram impunes

sem pagar por suas culpas.

 

Quantos culpados pagaram

para não ser julgados.

 

Quantos indícios foram apagados

para não ser descobertos.

 

Quantos segredos acusatórios

foram enterrados antes de

ser confessados.

 

Quem suspira o anseio de justiça,

que não desista, algum dia chegará

quando a chames

te responderá.

 

Quem sabe onde se esconde?

Chamo a e não me responde.

 

Quem a retém

que a solte já.

FATMA GALIA

 

 

 

La Justicia

¿Quién no suspira el anhelo de la justicia?

La busco por todas partes y

 no la encuentro.

 .

¿Quién sabe dónde se esconde?

La llamo y no me responde.

 .

quién la tenga retenida

Que la suelte ya.

 .

Cuántos inocentes perecieron

 sin que nadie les ha

 dado la razón.

 .

Cuántos se quedaron impunes

sin pagar por sus culpas.

 .

Cuántos culpables pagaron

para no ser juzgados.

.

Cuántos indicios fueron borrados

para no ser descubiertos.

 .

Cuántos secretos inculpa torios

 se fueron  a la tumba antes de

 ser confesados.

 .

Quien suspira el anhelo de la justicia,

que no cese algún día llegará

 cuando  la llames

 te responderá.

 .

¿Quién sabe dónde se esconde?

La llamo y no me responde.

 .

quien la tenga retenida

que la suelte ya

 

sexta-feira, 19 de maio de 2023

Ao Desconcerto Do Mundo - Luís Vaz de Camões

 

Ao desconcerto do mundo

Os bons vi sempre passar
No mundo graves tormentos;
E, para mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.

Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado:
Assim que, só para mim,
Anda o mundo concertado.

 

 Luís Vaz de Camões

terça-feira, 16 de maio de 2023

Ekalaivan - Meena Kandasamy

Ekalaivan

 

Esta nota vem como um consolo:

 

             Você pode fazer muitas coisas

             Com a mão esquerda.

             Além disso, Dronacharyas fascistas garantem

             Tratamento para canhotos.

 

             Também,

             Você não precisa do seu polegar direito

             Para puxar um gatilho ou lançar uma bomba.

 

Meena Kandasamy


Ekalaivan

 This note comes as a consolation:

             You can do a lot of things
             With your left hand.
             Besides, fascist Dronacharyas warrant
             Left-handed treatment.

             Also,
             You don’t need your right thumb          
             To pull a trigger or hurl a bomb.

 

segunda-feira, 15 de maio de 2023

Palestina pequena lição em forma de cantiga - João Pedro Mésseder

 

Palestina pequena lição em forma de cantiga

 

- Chovem tiros, caem bombas,

Cai o míssil do avião!

- Aprende, meu caro poeta,

de Ariel Sharon a lição;

Gaza rima com Sabra,

Cisjordânia com Chatila.

A rima pode ser coxa,

mas coxa não é a lição;

com oito letras de sangue

se escreve a palavra opressão.

-  A funda já está vazia,

a fisga a pedra soltou.

O verso pode ser coxo

mas já conhece a verdade;

com nove letras de pedra

se conquista a liberdade.

 

João Pedro Mésseder

In ‘Lá Longe o Fogo’ – página a página, 2005

domingo, 14 de maio de 2023

Deixo-te uma pátria livre do colonialismo - Paulina Chiziane


Deixo-te uma pátria livre do colonialismo

 

Escuta o grito de todos os teus ancestrais:

Amamos-te muito antes de nasceres, ó África de hoje

Por ti renovamos a esperança mesmo depois de mortos

Envolvemo-nos em batalhas, quebramos correntes

Para te deixarmos uma pátria livre como herança

 

Ao sol os novos invasores vestirão a mais fina pele de cordeiro

Lobos que são, uivarão nas alcateias em todas as noites de lua

Piratas destemidos, tentarão derrubar até o marulhar das ondas

E quererão substituir Deus na criação de África

 

Os invasores em fuga deixam línguas, armas e saberes

Usa-os na construção da união e fortaleza, ó nova África

Devolve ao teu povo a história e a dignidade usurpadas

Porque o futuro, esse espaço intangível, ideal, perfeito

Espera de ti esse gesto de nobreza

 

Segura as estrelas que te roubam das mãos

Coloca o arco-íris no centro de tua mente.

Sustenta a esperança acima de todas as coisas

Tu não estás só, estás com Deus e com a memória

Dos teus antepassados e dos mártires de África

 

Paulina Chiziane