sexta-feira, 5 de julho de 2024

QUEM DISSE QUE SERIA FÁCIL? - Audre Lorde

QUEM DISSE QUE SERIA FÁCIL?

A árvore da raiva possui tantas raízes

Que os galhos despedaçam

Antes que se sustentem.

 

Sentadas em Nedicks

As mulheres se agrupam antes de marchar

Conversando sobre as garotas problemáticas

Que são contratadas para libertá-las.

Uma balconista quase branca

Passa e atende os irmãos primeiro.

E as mulheres não notam nem rejeitam

Os pequenos prazeres de sua escravidão.

Mas eu, que sou limitada pelo espelho,

Assim como pela minha cama

Vejo questões de cor e gênero.

 

E sento aqui me perguntando

Quem vai sobreviver a todas

Essas Libertações.

Audre Lorde

quinta-feira, 4 de julho de 2024

Zeca Afonso - Utopia

 

Utopia

Cidade sem muros nem ameias
Gente igual por dentro gente igual por fora
Onde a folha da palma afaga a cantaria
Cidade do homem não do lobo mas irmão
Capital da alegria braço que dormes
Nos braços do rio toma o fruto da terra
É teu a ti o deves lança o teu
Desafio homem que olhas nos olhos
Que não negas
O sorriso a palavra forte e justa
Homem para quem o nada disto custa
Será que existe lá para as margens do oriente
Este rio este rumo esta gaivota
Que outro fumo deverei seguir na minha rota?

 Zeca Afonso

quarta-feira, 3 de julho de 2024

Manifesto - Fernando Couto


Manifesto


Poesia não te peço trigo

pois sei que não és seara
e nem ao menos és terra.
Quero-te só cotovia
no espesso dos trigais
e canto da madrugada.
Não podes servir de pão
a quem outro não tiver.
Podes uivar e chorar
ser o grito de esfaimados
bandeira de barricadas
cólera das nossas veias
mas não és terra ou seara
Nem balas nem espingardas.
Quero-te só cotovia
Íntima voz do meu sangue.


Fernando Couto

 (1967), em "Uma voz cheia de vozes".

Maputo: Editorial Ndjira, 2015.


terça-feira, 2 de julho de 2024

Para Gaza: Salmo 84 - Brant Rosen

Para Gaza: Salmo 84

 

Agora é a hora de quebrar nosso silêncio

deixar de lado o nosso medo

encarar as verdades

sempre soubemos que era verdade.

 

Agora é a hora de enfrentar

o alvoroço cínico daqueles

que justificam o injustificável

que explicam o massacre de inocentes,

a destruição de famílias

a desumanização abjeta

de um povo inteiro.

 

Agora é a hora de dizer em voz alta

e sem desculpas

que nosso lugar é junto aos oprimidos

e não do opressor

para chamar aqueles que adoram

os falsos deuses da vingança e da crueldade.

 

Agora é a hora de chamar

aqueles que exercem esse terrível poder

que lucram com o sangue dos outros

proclamar a nossa solidariedade total

com aqueles que vivem em tendas que não oferecem abrigo

e se deslocam para zonas seguras que não oferecem segurança

pela incessante chuva de fogo.


Agora é a hora

ainda não é tarde demais

para encontrar as palavras que estamos dispostos a dizer

para determinar quem realmente somos

e onde realmente pertencemos.

  Brant Rosen

 

For Gaza: Psalm 84

Now is the time to break our silence
to let go of our fear
to face up to the truths
we’ve known to be true all along.

Now is the time to face down
the cynical uproar of those
who justify the unjustifiable
who explain away the massacre of innocents,
the destruction of families
the abject dehumanization
of an entire people.

Now is the time to say out loud
and without apology
that our place is with the oppressed
and not the oppressor
to call out those who worship
the false gods of vengeance and cruelty.

Now is the time to call out
those who wield this terrible power
who profit from the blood of others
to proclaim our unabashed solidarity
with those who dwell in tents that offer no shelter
who travel to safe zones that offer no safety
from the incessant rain of fire from above.

Now is the time
it’s still not too late
to find the words we are willing to say
to determine who we truly are
and where we truly belong