segunda-feira, 10 de setembro de 2012

"os homens esquecidos de deus" - ALBERT COSSERY

"GOSTARIA QUE DEPOIS DE ME LEREM, AS PESSOAS NÃO FOSSEM TRABALHAR NO DIA SEGUINTE"

ALBERT COSSERY

"os homens esquecidos de deus"

(...)
— A festa não é para nós, meu filho —, disse ele.
— Nós somos pobres.
O garoto chorou, chorou amargamente.
— Não me interessa; quero um carneiro.
— Somos pobres —, repetiu Chaktour.
— Somos pobres porquê? —, perguntou a criança.
O homem reflectiu antes de responder. Depois de tantos anos de indigência tenaz, ele próprio não se lembrava porque eram pobres. Era uma coisa que vinha de muito longe, de tão longe que Chaktour já não se lembrava como tinha começado. Dizia para si próprio que a miséria que se prolongava para além dos homens. Apanhara-o desde a nascença e ele logo lhe pertencera, sem a menor resistência, visto que lhe estava destinada muito antes de ter nascido, ainda na barriga da mãe.
A criança estava sempre à espera que lhe explicassem porque eram pobres. Deixara de chorar, mas ainda havia muitas lágrimas dentro de si, todas as lágrimas das crianças miseráveis cujos sonhos são traídos pela vida.
— Escuta, pequeno, vai-te sentar num canto e deixa-me trabalhar. Se somos pobres é porque Deus nos esqueceu, meu filho.
— Deus! —, exclamou a criança. — E quando se lembrará ele de nós, meu pai?
— Quando Deus esquece alguém, é para sempre.
(...)

Albert Cossery, in "os homens esquecidos de deus" antígona (2002)
tradução de Ernesto Sampaio  [les hommes oubliés de dieu]

3 comentários:

cid simoes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Marcelo DOM disse...

Pro isso na vida temos que dar face ao tapa para saber que a maioria que é a minoria existe!!!!temos encarar a vida de frente e nunca se calar perante injustiças!!!

Pérola disse...

A acreditar em Deus...nunca somos esquecidos.

A não acreditar...temos de acreditar em nós e a pobreza material é uma tragédia, mas não é a pior.

Gostei da partilha.