quinta-feira, 26 de setembro de 2013

FECHOU A ESCOLA EM GRIJÓ - A.M.Pires Cabral

 António Manuel Pires Cabral

FECHOU A ESCOLA EM GRIJÓ

Dantes ouviam-se as
crianças a caminho da escola
e eram
como pássaros de som nas manhãs de Grijó.
Não eram muitas, mas as vozes joviais
davam
sinal de que a aldeia resistia,
continha à
distância o deserto que a ronda.

Agora as crianças, todas as manhãs,
são acondicionadas como mercadorias
numa
viatura com vocação de furgoneta.
Lembram
judeus em vagões jota
a
caminho de Auschwitz.
Vão aprender em terra estranha o que os seus pais
e os
pais dos seus pais aprenderam em Grijó.

se voltam a ouvir ao fim da tarde
quando a viatura as despeja no largo da aldeia
como artigos que ficaram por vender.
Mas ouvem-se pouco, porque vêm cansadas.
Ouvem-se
pouco e triste porque o seu dia
que devia ser dia de Grijó –
foi deportado
para outra terra onde
não se lhe firmam as raízes.

O
senhor ministro das Finanças está contente,
porque poupa meia dúzia de euros
com a violenta trasfega da infância.

Mas está triste Grijó, porque não ouve
as
suas aves de manhã a caminho da escola
– e
por isso pode dizer-se que a aldeia encolheu,
ficaram uns
metros mais perto as areias de amanhã.

Caladas as
vozes tagarelas das crianças,
nos dias de Grijó poucas mais se ouvem
do
que as de alguns velhos que antecipam
em palavras raras, conformadas,
o
dia em que o silêncio cobrirá com estrondo
o (des)
povoado definitivamente.

O
senhor ministro das Finanças terá poupado
mais alguns euros com a instauração
deste
opressivo silêncio final,
e ficará
contente. Grijó não.


A.M.Pires Cabral
(‘Repórter do Marão’, Set. 2012, p.22)

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