sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

A ÚNICA SABEDORIA



A ÚNICA SABEDORIA

Toda a crença
pressupõe uma pretensa
sabedoria
revelada.
Eu quero-a conquistada
dia a dia.


Armindo Rodrigues

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

As canções da nossa liberdade - Jorge Castro



- Um outro poema de referência, como agradecimento a João Bajula Cid
e aos seus (nossos) amigos em sessão memorável Poemas



as canções da nossa liberdade
são da cor das madrugadas da vida
no acaso tanta vez
feito vontade
por valer uma esperança enfim cumprida

são da cor de um olhar ao mar aceso
são o brilho desse olhar na noite escura
são raiz do pensamento enfim coeso
são as mãos da paz

da guerra
e da aventura

as canções da nossa liberdade
são aquelas soltas no vento que passa
alvoroço contra o medo e sem idade
de haver sempre uma candeia na desgraça
uma luz
algum farol
o olhar ardente
essa bola entre as mãos de uma criança
que saltita alegre e viva à nossa frente
e por saber ser assim livre
é cor da esperança

hão-de ser para alguns um leme inteiro
o velame que impele a nau premente
esse grito que nos rasga o nevoeiro
quando o tempo de mudança
é mais urgente

as canções da nossa liberdade
são a carne viva feita de emoções
cada nota
cada estrofe que em nós arde
incendeia aqui e agora os corações
a crescer entre o peito e a garganta
a valer de pena e espada que acontece
quando a noite se finou e amanhece
nesse querer voar que sempre se agiganta 
na invenção do amor que nunca é tarde
inteiro e limpo
o dia que enfim canta
as canções da nossa liberdade

e por ser assim e assim nos valer a pena
nas canções da nossa liberdade
o povo é quem mais ordena.
 Jorge Castro
 18 de Novembro de 2013

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

NESTA HORA - Sophia de Mello Brayner Andresen



NESTA HORA

Nesta hora limpa da verdade é preciso dizer a verdade toda
Mesmo aquela que é impopular neste dia em que se invoca o povo
Pois é preciso que o povo regresse do seu longo exílio
E lhe seja proposta uma verdade inteira e não meia verdade

Meia verdade é como habitar meia quarto
Ganhar meio salário
Como ter direito
A metade da vida

O demagogo diz da verdade a metade
E o resto joga com habilidade
Porque pensa que o povo pensa metade
Porque pensa que o povo não percebe nem sabe

A verdade não é uma especialidade
Para especializados clérigos letrados

Não basta gritar povo é preciso expor
Partir do olhar da mão e da razão
Partir da limpidez do elementar

Como quem parte do sol do mar do ar
Como quem parte da terra onde os homens estão
Para construir o canto do terrestre
-- Sob o ausente olhar silente de atenção

Para construir a festa do terrestre
Na nudez de alegria que nos veste


Sophia de Mello Brayner Andresen

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

A HORA É ESSA

A hora é essa

Temos lutado todo esse tempo
com os pés descalços,
saboreando o sonho que se esboça,
encravados na luta que é de classes;
Internacionais!

Sempre nos quiseram mortos,
e ainda assim nosso peito segue ofegante.


Daniel Oliveira

 


segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Saudades de tudo! - João Guimarães Rosa

Saudades de tudo!

Saudade, essencial e orgânica,
de
horas passadas,
que eu podia viver e não vivi!...
Saudade de gente que não conheço,
de
amigos nascidos noutras terras,
de
almas órfãs e irmãs,
de
minha gente dispersa,
que talvez até hoje ainda espere por mim...

Saudade triste do passado,
saudade gloriosa do futuro,
saudade de todos os presentes
vividos fora de mim!...

Pressa!...
Ânsia voraz de me fazer em muitos,
fome angustiosa da fusão de tudo,
sede de volta final
da
grande experiência:
uma
alma em um corpo,
uma
alma-corpo,
um ,
um!...
Como quem fecha numa gota
o
Oceano,
afogado no
fundo de si mesmo..."
João Guimarães Rosa

sábado, 25 de janeiro de 2014

CARTA DA INFÂNCIA - Carlos de Oliveira

CARTA DA INFÂNCIA

Amigo Luar:
Estou fechado no
quarto escuro
e tenho chorado
muito.
Quando choro fora ainda posso ver as lágrimas
caírem na
palma das minhas
mãos e brincar com elas ao orvalho
nas
flores pela manhã.
Mas aqui é tudo por demais escuro
e
eu nem sequer tenho duas estrelas nos meus olhos.
Lembro-me das
noites em que me fazem deitar
tão cedo e te oiço
Bater, chamar e bater, na fresta da
minha janela.
Pelo muito que te tenho perdido enquanto durmo
vem
agora,
no
bico dos pés
para que eles te não sintam dentro,
brincar comigo aos presos no segredo
quando se abre a porta de ferro e a luz diz:
bons dias, amigo.

Carlos de Oliveira
Trabalho Poético
Lisboa, Sá da Costa, 1998 (3ª ed.)

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

A TERCEIRA MISÉRIA (EXTRATO) - HÉLIA CORREIA



«A terceira miséria é esta, a de hoje.
A de
quem não ouve nem pergunta.
A de
quem não recorda. E, ao contrário
Do
orgulhoso Péricles, se torna
Num
entre os mais, num entre os que se entregam,
Nos que vão misturar-se como um líquido
Num
líquido maior, perdida a forma,
Desfeita em a estátua

Hélia Correia

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

NOSSO TEMPO - Hallisson Nunes Gomes

NOSSO TEMPO
a Carlos Drummond de Andrade


É
tempo de apagão
Circo sem pão
Tempo sem tempo
Sem espaço
Em mídia pífia
Aparelho burguês
É
tempo de Nasdaq
Tempo monetário
Tempo vulnerável
Tempo de capitais fictícios
Em sinais de computador
É
tempo de ajuste
E
Estado mínimo
Tempo do fundo
Tempo do fosso
Tempo de físsil
É
tempo de exílio
E
mundo em blocos
Caricatos, caridosos
E “
terceira via
É
tempo de Organização Mundial do Comércio
Acordo multilateral de investimentos
E flexibilização da CLT
É
tempo de fantasia
Informação acessória,
Informação subliminar
Igrejas eletrónicas
É
tempo de homens mistificados
‘’
Sujeitos racionais
E “
Preferências individuais
É
tempo de engodo
A
greve é imoral
Ocupar é imoral
A
crise não é “moral
Alegrem-se
Vendem-se
sonhos
É
tempo de consumir
Coca-Cola, Ford ,Nike, Monsanto, Esso,
Bayer,
Time Worner, City Bank, Union Carbide,
Microsoft, Mac Donalds, Lockheed,
E
CIA, e CIA e S.A. e LTDA etc, etc, etc
Vendem mísseis
É
tempo de prisão
O
tempo é privado
A
política também
É
tempo de rapina
De
Congresso comédia
Presidente bufão
É
tempo de abutre
Travestido de
tucano
Ovelhas tinhosas
Clonadas
E Aedes-aegypti
É
tempo de genoma
Biotecnologia e AIDS
É
tempo de morrer
E morre-se de
tédio
Tuberculose e cólera
Morre-se no
morro
Na
Faixa de Gaza
No
Pará
E
em Bogotá
Morre-se
por ser FARC-EP
Morre-se
por ser MST
Morre-se
por ser Palestino
Morre-se
pela polícia
Na
favela braço único do Estado
Morre-se de
fome
Morre-se de
guerra
Da
ganância dos donos da guerra
E de
seus lucros
Morre-se de
omissão
Morre-se de
medo
E
urânio empobrecido
Morre-se
por ser criança
Como nunca voltarão os primeiros dias de vida
É
tempo de pânico
Tempo de ódio
E
terrorismo de Estado
É
tempo de cancelas
Tempo de veto
E
fundamentalismo capital
É
Tempo de império
Tempo de mito
Polarização
E
globalização da miséria
É
tempo de acirramento
Como nunca antes na História
É
tempo de lutas de classe.

Hallisson Nunes Gomes