sábado, 18 de janeiro de 2014

ARY. SEMPRE!

1937 - 1984

Meu Camarada e Amigo

Revejo tudo e redigo
meu camarada e amigo.
Meu irmão suando pão
sem casa mas com razão.
Revejo e redigo
meu camarada e amigo

As
canções que trago prenhas
de
ternura pelos outros
saem das
minhas entranhas
como um rebanho de potros.
Tudo vai roendo a erva
daninha que me entrelaça:
canção não pode ser serva
homem não pode ser caça
e a
poesia tem de ser
como um cavalo que passa.

É
por dentro desta selva
desta
raiva   deste grito
desta
toada que vem
dos
pulmões do infinito
que em todos vejo ninguém
revejo
tudo e redigo:
Meu camarada e amigo.

Sei
bem as mós que moendo
pouco a pouco trituraram
os
ossos que estão doendo
àqueles que não falaram.

Calculo
até os moinhos
puxados a ódio e sal
que a par dos monstros marinhos
vão movendo Portugal
mas um poeta fala
por sofrimento total!

Por isso calo e sobejo
eu que tenho o que fiz
dando
tudo mas à toa:
Amigos no Alentejo
alguns que estão em Paris
muitos que são de Lisboa.
Aonde me não revejo
é
que eu sofro o meu país.

Ary dos Santos, in 'Resumo'
 

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