sábado, 25 de janeiro de 2014

CARTA DA INFÂNCIA - Carlos de Oliveira

CARTA DA INFÂNCIA

Amigo Luar:
Estou fechado no
quarto escuro
e tenho chorado
muito.
Quando choro fora ainda posso ver as lágrimas
caírem na
palma das minhas
mãos e brincar com elas ao orvalho
nas
flores pela manhã.
Mas aqui é tudo por demais escuro
e
eu nem sequer tenho duas estrelas nos meus olhos.
Lembro-me das
noites em que me fazem deitar
tão cedo e te oiço
Bater, chamar e bater, na fresta da
minha janela.
Pelo muito que te tenho perdido enquanto durmo
vem
agora,
no
bico dos pés
para que eles te não sintam dentro,
brincar comigo aos presos no segredo
quando se abre a porta de ferro e a luz diz:
bons dias, amigo.

Carlos de Oliveira
Trabalho Poético
Lisboa, Sá da Costa, 1998 (3ª ed.)

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