(do Auto da Festa)
Verdade Acabai já de contar
como
passou vosso feito.
Vilão Trago
tamanho despeito,
que
estou pera me enforcar
e
deitar por i a eito.
A
justiça não parece,
a
verdade é desterrada,
e
a mentira honrada,
o
que agora mais merece
esse
há menos soldada.
A
meu pai ouvi dizer
(nego
ua autoridade,
nunca
me há-de esquecer):
«Quem
quiser ter de comer
que
nunca fale verdade,
senão
sempre à vontade
do
senhor com quem viver.»
Verdade Nos outros
tempos passados
era
muito honrada,
do
povo muito adorada;
e
agora por seus pecados
ando
assi desterrada.
Vilão Os
homens hão de seguir
a
opinião geral,
porque
já em Portugal
quem
não costuma mentir,
não
alcança um só real.
Que
os homens verdadeiros
não
são tidos nua palha;
os
que são mexeriqueiros,
mentirosos,
lisongeiros,
esses
vencem a batalha.
I
não há já merecer
nem
servir com diligência:
quem
quiser ter que comer
trabalhe
por aderência,
haverá
quanto quiser.
Vós
outros andais no Paço,
nunca
vos falta desgosto,
e
eu assi como são tosco
segunda
a vida que faço
não
trocaria convosco.
Porque,
com duas sardinhas,
fico
eu mais satisfeito,
que
vós com vosso desfeito,
nem
com capões, nem galinhas,
não
vos fazem mais proveito.
Gil Vicente
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