Poema XIV
Esta é a idade do Bode
E do Minotauro,
Do Abutre, da víbora
E dos Negreiros.
Das crianças marcadas a fogo
Pela fome
E dos homens-sem-medo
Chorando de pejo.
Dos amigos que abraçam
Escondendo punhais.
Dos carrascos que promovem
Funerais nacionais.
Da Cidade imensa
E do trigo queimado
Do analfabetismo extinto
Mas do jornal censurado.
Das baionetas urrando
E dos lábios cerrados!
(Araújo, 1953, p.19)
Carlos Maria
de Araújo
[...]
A sua obra muito breve é por certo das mais notáveis da poesia portuguesa que o desconhece ainda [...]; e pode considerar-se representada pelos dois livros que publicou pouco antes de morrer. Poesia extremamente despojada e densa, de uma intensa severidade formal e de vigorosa emoção contida numa expressão lapidar, é bem a de um oficiante das trevas, dessas trevas que tão terrivelmente cobrem a vida e o mundo. Nos seus ritmos curtos e sincopados, sob os quais todavia flui oculta uma simplicidade quase sentimental, esta poesia significa, como poucas das recentes, uma fulgurante definição do exílio português, no que ele tem de amargo e de frustrado, como no que, nele, resiste a tudo e mesmo ao medo que o verso tenha de sê-lo na boca do poeta, qual este disse num dos seus mais belos poemas.
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