terça-feira, 31 de julho de 2018

Adeus, rios; adeus, fontes - Rosalía de Castro

   in Cantares Gallegos (1863)
(AQUI)»» 
Amancio Prada canta Adios, rios; adios, fontes
 
Adeus, rios; adeus, fontes

Adeus, rios; adeus, fontes;
adeus, regatos pequenos;
adeus, vista dos meus olhos;
não sei quando nos veremos.

Minha terra, minha terra,
terra onde me eu criei,
hortinha que quero tanto,
figueirinhas que plantei,

prados, rios, arvoredos,
pinhares que move o vento,
passarinhos piadores,
casinha do meu contento,

moinho dos castanhais,
noites claras de luar,
campainhas timbradoras
da igrejinha do lugar,

amorinhas das silveiras
que eu lhe dava ao meu amor,
caminhinhos entre o milho,
adeus para sempre a vós!

Adeus, glória! Adeus, contento!
Deixo a casa onde nasci,
Deixo a aldeia que conheço
Por um mundo que não vi!

Deixo amigos por estranhos,
deixo a veiga pelo mar,
deixo, enfim, quanto bem quero…
Quem pudera o não deixar!...

Mas sou pobre e, malpecado!
a minha terra n’é minha,
que até lhe dão prestado
a beira por que caminha
ao que nasceu desditado.

Tenho-vos, pois, que deixar,
hortinha que tanto amei,
fogueirinha do meu lar,
arvorinhas que plantei,
fontinha do cabanal.

Adeus, adeus, que me vou,
ervinhas do campo-santo,
onde meu pai se enterrou,
ervinhas que biquei tanto,
terrinha que nos criou.

Adeus, Virgem da Assunção,
branca como um serafim;
levo-vos no coração;
vós pedi-lhe a Deus por mim,
minha Virgem da Assunção.

Já se ouvem longe, mui longe,
as campanas do Pomar;
para mim, ai!, coitadinho,
nunca mais hão de tocar.

Já se ouvem longe, mais longe…
Cada bad’lada uma dor;
vou-me só e sem arrimo…
Minha terra, adeus me vou!

Adeus também, queridinha…
Adeus por sempre quiçá!...
Digo-te este adeus chorando
desde a beirinha do mar.

Não me olvides, queridinha,
Se morro de solidão…
Tantas léguas mar adentro…
Minha casinha!, meu lar!

Rosalía de Castro
   in Cantares Galegos, edição de Higino Martins Esteves


Adios, rios; adios, fontes

Adios, ríos; adios, fontes;
adios, regatos pequenos;
adios, vista dos meus ollos:
non sei cando nos veremos.

Miña terra, miña terra,
terra donde me eu criei,
hortiña que quero tanto,
figueiriñas que prantei,

prados, ríos, arboredas,
pinares que move o vento,
paxariños piadores,
casiña do meu contento,

muíño dos castañares,
noites craras de luar,
campaniñas trimbadoras
da igrexiña do lugar,

amoriñas das silveiras
que eu lle daba ó meu amor,
camiñiños antre o millo,
¡adios, para sempre adios!

¡Adios gloria! ¡Adios contento!
¡Deixo a casa onde nacín,
deixo a aldea que conozo
por un mundo que non vin!

Deixo amigos por estraños,
deixo a veiga polo mar,
deixo, enfin, canto ben quero...
¡Quen pudera non deixar!...

Mais son probe e, ¡mal pecado!,
a miña terra n'é miña,
que hastra lle dan de prestado
a beira por que camiña
ó que naceu desdichado.

Téñovos, pois, que deixar,
hortiña que tanto amei,
fogueiriña do meu lar,
arboriños que prantei,
fontiña do cabañar.

Adios, adios, que me vou,
herbiñas do camposanto,
donde meu pai se enterrou,
herbiñas que biquei tanto,
terriña que nos criou.

Adios Virxe da Asunción,
branca como un serafín;
lévovos no corazón:
Pedídelle a Dios por min,
miña Virxe da Asunción.

Xa se oien lonxe, moi lonxe,
as campanas do Pomar;
para min, ¡ai!, coitadiño,
nunca máis han de tocar.

Xa se oien lonxe, máis lonxe
Cada balada é un dolor;
voume soio, sin arrimo...
Miña terra, ¡adios!, ¡adios!

¡Adios tamén, queridiña!...
¡Adios por sempre quizais!...
Dígoche este adios chorando
desde a beiriña do mar.

Non me olvides, queridiña,
si morro de soidás...
tantas légoas mar adentro...
¡Miña casiña!,¡meu lar!

   in Cantares Gallegos (1863)
Amancio Prada canta Adios, rios; adios, fontes

segunda-feira, 30 de julho de 2018

Dos nossos medos - Eduardo Galeano

Dos nossos medos 
 
nascem as nossas coragens,
e em nossas dúvidas,
vivem as nossas certezas. 
Os sonhos anunciam 
outra realidade possível, 
e os delírios outra razão. 
Nos descaminhos
esperam-nos surpresas,
porque é preciso perder-se
para voltar a encontrar-se.


Eduardo Galeano


De nuestros miedos
nacen nuestros corajes
y en nuestras dudas
viven nuestras certezas.
Los sueños anuncian
otra realidad posible
y los delirios otra razón.
En los extravios
nos esperan hallazgos,
porque es preciso perderse
para volver a encontrarse.

domingo, 29 de julho de 2018

A Benção da Locomotiva - GUERRA JUNQUEIRO




A obra está completa. A máquina flameja,
Desenrolando o fumo em ondas pelo ar.
Mas, antes de partir mandem chamar a Igreja,
Que é preciso que um bispo a venha baptizar.

Como ela é concerteza o fruto de Caím,
A filha da razão, da independência humana,
Botem-lhe na fornalha uns trechos em latim,
E convertam-na à fé Católica Romana.

Devem nela existir diabólicos pecados,
Porque é feita de cobre e ferro; e estes metais
Saem da natureza, ímpios, excomungados,
Como saímos nós dos ventres maternais!

Vamos, esconjurai-lhes o demo que ela encerra,
Extraí a heresia ao aço lampejante!
Ela acaba de vir das forjas d'Inglaterra,
E há-de ser com certeza um pouco protestante.

Para que o monstro corra em férvido galope,
Como um sonho febril, num doido turbilhão,
Além do maquinista é necessário o hissope,
E muita teologia... além de algum carvão.

Atirem-lhe uma hóstia à boca fumarenta,
Preguem-lhe alguns sermões, ensinem-lhe a rezar,
E lancem na caldeira um jorro d'água benta,
Que com água do céu talvez não possa andar.