segunda-feira, 2 de julho de 2018

Poema constituinte - E. M. de Melo e Castro,

Poema constituinte
(Escrito em 1979, para o 3.º Aniversário da Constituição)

A Constituição constitui-se de homens e mulheres
cidadãos com a mesma
dignidade social
iguais perante a lei

A Constituição constitui-se de homens e mulheres
antes de se estruturar
em Títulos
Capítulos
Artigos
Alíneas

A Constituição constitui-se pela vontade popular
empenhada livremente
na transformação da sociedade portuguesa
numa sociedade sem classes

A Constituição constitui-se por dentro dos braços
e das cabeças
dos homens e das mulheres livres
que constroem o socialismo
dia a dia
antes de ele ser o Artigo 2.° da Constituição
pela via democrática

A Constituição constitui-se de avanços projectos e lutas
no coração
que não admite recuos
nem abdica
do futuro

A Constituição constitui-se da força organizativa
dos que acordam
todos os dias
com um novo intento de viver
porque possuem em si próprios
a soberania
una
indivisível

A Constituição constitui-se dos direitos dos trabalhadores
não distinguindo
idade raça religião
ideologia
com direito ao trabalho
e à retribuição
sem aviltamento
sem exploração
com direito
à existência condigna
à realização pessoal
à higiene e à saúde
à organização
à segurança
à educação e à cultura
ao repouso
às comissões suas
de trabalhadores
defendendo esses seus interesses
e outros

A Constituição constitui-se de consciências livres
antes de se cristalizar
nas palavras e nas frases
num documento lei

A Constituição constitui-se da liberdade de escrever
essas palavras
da obrigatoriedade de cumpri-las
porque por longos anos circularam
interditas
no sangue livre
do povo soberano

Constituição constitui-se das palavras
com que se escrevem os poemas
(como este)
que todos têm direito
de produzir
exprimir
divulgar
já que pela palavra
são a criação do pensamento
pela imagem
são a materialização da comunicação
por todos os meios
são a circulação da informação
a que todos os homens e mulheres
têm direito
sem impedimentos
nem discriminações
E porque
todos esses direitos
não podem ser impedidos
por qualquer tipo
de censura
a voz soberana do povo
digno e verdadeiro
far-se-á ouvir
defendendo
e
constituindo a Constituição!

Vértice 59
/ Março-Abril de 1994.


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