PANFLETÁRIO
ao poeta José Bizarro
Era
para eu
ser panfletário.
Os meus escritos
teriam a verrina
as iras
o rubro
grito da revolta!
Era para eu
ser panfletário.
Combateria
os tiranos
ser panfletário.
Os meus escritos
teriam a verrina
as iras
o rubro
grito da revolta!
Era para eu
ser panfletário.
Combateria
os tiranos
os arbitrários
os agiotas
os exploradores da miséria
e do trabalho dos pobres
os homens poderosos
e os seus mandatários
e bajuladores
e as leis que os protegem.
Era para eu
ser panfletário.
Teria o porte
audaz e altivo
e belo
de um guerreiro.
Levaria nos olhos
a chama e os sonhos
no sorriso um ar
amargo e triste
a cabeça ao léu
impávida erguida
e a cabeleira ao sol
ao vento
e ao frio nocturno
dos secretos e longos
caminhos da fuga.
Era para eu
ser panfletário.
Ao passar pelas ruas
das vilas rurais
então se fechariam
as portas para mim.
Talvez pelo exíguo
espaço de alguma
janela entreaberta
os pais me apontassem
aos filhos tementes
e lhes segredassem
— o panfletário!
Era para eu
ser panfletário
os agiotas
os exploradores da miséria
e do trabalho dos pobres
os homens poderosos
e os seus mandatários
e bajuladores
e as leis que os protegem.
Era para eu
ser panfletário.
Teria o porte
audaz e altivo
e belo
de um guerreiro.
Levaria nos olhos
a chama e os sonhos
no sorriso um ar
amargo e triste
a cabeça ao léu
impávida erguida
e a cabeleira ao sol
ao vento
e ao frio nocturno
dos secretos e longos
caminhos da fuga.
Era para eu
ser panfletário.
Ao passar pelas ruas
das vilas rurais
então se fechariam
as portas para mim.
Talvez pelo exíguo
espaço de alguma
janela entreaberta
os pais me apontassem
aos filhos tementes
e lhes segredassem
— o panfletário!
Era para eu
ser panfletário
Escreveria
panfletos
sátiras
libelos
seria
o inimigo
o subversivo
o foragido
o perseguido
o réprobro
conheceria
tribunais
esconderijos
cárceres
sentiria
a fome e o cansaço
teria no corpo
a tatuagem marcada
das torturas policiais.
Era para eu
ser panfletário.
O magnífico
e heroico destino
que eu imaginava
tão liricamente
ser o meu
venceram-no
a prudência
o temor
a família
venceu-o
este meu outro
real
e melancólico
destino burocrático...
Era para eu
ser panfletário.
Não o fui
e ainda me dói
o desejo de o ser...
Mas agora
com o resíduo do tempo
tingindo de branco
os meus cabelos
gotejando
doloroso
nos meus ossos
é tarde demais
para a magnífica aventura...
panfletos
sátiras
libelos
seria
o inimigo
o subversivo
o foragido
o perseguido
o réprobro
conheceria
tribunais
esconderijos
cárceres
sentiria
a fome e o cansaço
teria no corpo
a tatuagem marcada
das torturas policiais.
Era para eu
ser panfletário.
O magnífico
e heroico destino
que eu imaginava
tão liricamente
ser o meu
venceram-no
a prudência
o temor
a família
venceu-o
este meu outro
real
e melancólico
destino burocrático...
Era para eu
ser panfletário.
Não o fui
e ainda me dói
o desejo de o ser...
Mas agora
com o resíduo do tempo
tingindo de branco
os meus cabelos
gotejando
doloroso
nos meus ossos
é tarde demais
para a magnífica aventura...
Era
para eu
ser panfletário.
ser panfletário.
Ilha do Sal, aeroporto, 24 de Novembro de 1966
(in revista África, n° 2, Outubro-Dezembro de 1978. Esta última versão contém ligeiras alterações)
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