II
O velho homem ainda trabalha muito, agora em casa só.
Dorme & come no piso térreo, trabalha na sobreloja.
Ainda é firme o seu traço, voluntariosa a sua caligrafia.
Está em presença de tudo o que perseguiu & persegue.
A cintilação marinha, o bilhete autógrafo, o frasco com feijão,
a Lua apanhada nua, a chávena meia, a camisa à escocesa:
tudo lhe presta matéria & correlação, que ele retribui.
Jamais desconheceu que é pela solidão que se lá vai.
Se se lá chega, é outra questão – e bem diversa ela é.
Foi rapaz, sim, cumpriu essa idade penitenciária.
A maior probabilidade é a obra não sobreviver.
Os herdeiros cuidam mais do que possa vender-se.
É da natureza de quem herda o não valer uma merda.
Desenhos, estatuetas, poemas, pincéis & lápis?
Giros, engraçadas, ilegíveis, velhos, no côto.
O velho sabe, não se perturba, trabalha mais.
Não alinha em carnavais, natais, esponsais de família.
O sangue genealógico é tão aguadilha como o de estranhos.
A caridade é calculismo visando celestes alvíssaras.
Não tem telefone, não telefona, tem uma cadela a quem falar.
Dá voltas mais lentas mas dá-as como sempre deu.
Dando-as, vai filtrando sinais humanos & índices naturais:
a velhota limpando os óculos, a nuvem prenhe de pureza alta.
Um relvado de praceta medido a passos de pássaros.
Para tudo, traço firme & voluntariosa caligrafia.
Conversar na extrema do balcão com concidadãos de afim idade.
Tomar o refresco em esplanada de bairro quieto.
Tratar das oficialidades civis, não retrasar obrigações.
Levar a cadela à clínica, fazê-la sentir solidariedade.
Falar com ela em casa, à hora da lareira & do chá.
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