Mulher
da Erva
Velha da terra morena
Pensa que é já lua cheia;
Vela que a onda condena
Feita em pedaços na areia.
Saia rota subindo a estrada,
Inda a noite rompendo vem,
A mulher pega na braçada
De erva fresca, supremo bem.
Canta a rola numa ramada,
Pela estrada vai a mulher:
"Meu senhor, nesta caminhada
Nem m'alembra do amanhecer!"
Há
quem viva sem dar por nada,
Há quem morra sem tal saber...
Velha ardida, velha queimada,
Vende a fruta se queres comer.
À noitinha, a mulher alcança
Quem lhe compra do seu manjar,
Para dar à cabrinha mansa,
Erva fresca da cor do mar.
Na calçada uma mancha negra
Cobriu tudo e ali ficou:
Anda, velha da saia preta,
Flor que ao vento no chão tombou!
No Inverno terás fartura
Da erva fora supremo bem...
Canta, rola, tua amargura!
Manhã moça nunca mais vem...
José
Afonso
| A Mulher da Erva
Elfiede
Engelmayer dá a explicação deste texto: trata-se de uma velha mulher do
Alentejo que ganhava a vida com a venda de erva. José Afonso conheceu-a quando
ela já tinha mais de setenta anos. Todos os dias, andava pelas ruas e estradas
com uma cesta de erva cuja venda era o seu sustento e com que se alimentava o
gado. Esta "profissão" desapareceu com a modernização da agricultura.
A canção relata o encontro entre o cantor e a mulher. Na segunda estrofe, ele
vê-a a subir a estrada, vindo na sua direcção. Na terceira, eles trocam algumas
palavras e depois ela prossegue o seu caminho sem ouvir o comentário do cantor.
Na primeira estrofe, a "vela condenada pela onda" simboliza que ela
não tem, e nunca teve, futuro.
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