terça-feira, 31 de outubro de 2023

Os ninguéns - Eduardo Galeano

 


Os ninguéns

De Eduardo Galeano

As pulgas sonham em comprar um cão,
e os ninguéns com deixar a pobreza,
que em algum dia mágico de sorte chova a boa sorte a cântaros;
mas a boa sorte não choveu ontem, nem hoje, nem choverá amanhã, nem nunca,
nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte,
por mais que os ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce,
ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano mudando de vassoura.

Os ninguéns: os filhos de ninguém, os dono de nada.
Os ninguéns:
os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos:
Que não são embora sejam.
Que não falam idiomas, falam dialetos.
Que não praticam religiões, praticam superstições.
Que não fazem arte, fazem artesanato.
Que não são seres humanos, são recursos humanos.
Que não tem cultura, têm folclore.
Que não têm cara, têm braços.
Que não têm nome, têm número.
Que não aparecem na história universal,
aparecem nas páginas policiais da imprensa local.
Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.


domingo, 29 de outubro de 2023

(branco) - rui nunes 4.

 

rui nunes

4.

(branco)
de todas as cores a mais subtil
chama-se cegueira: nome
que avança até se apagar

rui nunes
Telhados de Vidro, Lisboa, 2006.

sábado, 28 de outubro de 2023

Um poema triste

Pelo que tenham de mais querido

PARTICIPEM!

É UM GRITO LANCINANTE

QUE ACABE A BARBÁRIE!

FAÇAMOS PELO MENOS UM PEQUENO ESFORÇO PARA NOS SENTIRMOS HUMANOS

Neste momento o povo de Gaza está a ser bombardeado por ar, mar e terra.

sexta-feira, 27 de outubro de 2023

Não iremos embora - Tawfiq Zayyad

Não iremos embora

 
Aqui
Sobre vossos peitos
Persistimos
Como uma muralha
Em vossas goelas
Como cacos de vidro
Imperturbáveis
E em vossos olhos
Como uma tempestade de fogo
Aqui
Sobre vossos peitos
Persistimos
Como uma muralha
Em lavar os pratos em vossas casas
Em encher os copos dos senhores
Em esfregar os ladrilhos das cozinhas pretas
Para arrancar
A comida de nossos filhos
De vossas presas azuis
Aqui sobre vossos peitos
Persistimos
Como uma muralha
Famintos
Nus
Provocadores
Declamando poemas
Somos os guardiões da sombra
Das laranjeiras e das oliveiras
Semeamos as ideias como o fermento na massa
Nossos nervos são de gelo
Mas nossos corações vomitam fogo
Quando tivermos sede
Espremeremos as pedras
E comeremos terra
Quando estivermos famintos
Mas não iremos embora
E não seremos avarentos com nosso sangue
Aqui
Temos um passado
E um presente
Aqui
Está nosso futuro

Tawfiq Zayyad

Palestino de Nazaré - 1929-1994

Palestino de Nazaré, é considerado um pioneiro da poesia de resistência.

A maior parte de sua obra foi escrita na prisão.”







quarta-feira, 25 de outubro de 2023

OS MENINOS NASCEM - Papiniano Carlos

 

OS MENINOS NASCEM

Vós podeis, tiranos, forjar ainda mais sólidas algemas,
chapear de aço as paredes das nossas e vossas cadeias,
e fazê-lo-eis;

Vós podeis, tiranos, cravar mais fundo as vossas baionetas,
esmagar-nos nas ruas debaixo das patas dos vossos cavalos,
e fazê-lo-eis;

Vós podeis, tiranos, roubar, incendiar, fuzilar sem descanso,
vedar os caminhos ainda livres, envenenar as fontes ainda puras,
e fazê-lo-eis;

Vós podeis, tiranos, vir de novo descarregar a vossa cólera
sobre Oradour,
lançar vossa chuva de raios sobre nosso humano desejo de viver,
e fazê-lo-eis,

Vós podeis, tiranos, inventar ainda piores suplícios,
mordaças mais espessas, baixezas mil vezes mais desumanas
para Buchenwald,

inutilmente o fareis:

Esta simples criancinha dormindo em seu berço,
este menino ainda na barriga de sua mãe, olhai
como vos fitam
serenos e terríveis.

Papiniano Carlos

terça-feira, 24 de outubro de 2023

6 de dezembro de 1945 - Nazim Hikmet

 

6 de dezembro de 1945

 

Eles são inimigos da esperança, meu amor,

são inimigos da água corrente,

da árvore que está frutificando,

da vida que está se desenvolvendo.

Porque a morte carimbou as suas testas:

– dentes apodrecendo, carne se deteriorando –,

vão ser destruídos e nunca mais voltarão.

E sem dúvida, meu amor, sem dúvida,

a liberdade caminhará livremente neste país lindo

com a sua melhor roupa:

o uniforme de operário...

Nazim Hikmet

 


segunda-feira, 23 de outubro de 2023

O DILÚVIO E A ÁRVORE - Fadwa Tuqan

 

O DILÚVIO E A ÁRVORE

Quando a tempestade satânica chegou e se espalhou
No dia do dilúvio negro lançado
Sobre a boa terra verdejante
“Eles” contemplaram.
Os céus ocidentais ressoaram com explicações de regozijo:
“A Árvore caiu!
O grande tronco está esmagado! O dilúvio deixou a Árvore sem vida!”

Caiu realmente a Árvore?
Nunca! Nem com os nossos rios vermelhos correndo para sempre,
Nem enquanto o vinho dos nossos membros despedaçados
Saciar nossas raízes sequiosas
Raízes árabes vivas
Penetrando profundamente na terra.

Quando a Árvore se erguer, os ramos
Vão florir verdes e viçosos ao sol
O riso da Árvore desfolhará
Debaixo do sol
E os pássaros voltarão
Sim, os pássaros voltarão com certeza
Voltarão.

Fadwa Tuqan

 

domingo, 22 de outubro de 2023

À Espera dos Bárbaros - Konstantinos Kaváfis

 

À Espera dos Bárbaros

O que esperamos na ágora reunidos?

É que os bárbaros chegam hoje.

Por que tanta apatia no senado?
Os senadores não legislam mais?

É que os bárbaros chegam hoje.
Que leis hão de fazer os senadores?
Os bárbaros que chegam as farão.

Por que o imperador se ergueu tão cedo
e de coroa solene se assentou
em seu trono, à porta magna da cidade?

É que os bárbaros chegam hoje.
O nosso imperador conta saudar
o chefe deles. Tem pronto para dar-lhe
um pergaminho no qual estão escritos
muitos nomes e títulos.

Por que hoje os dois cônsules e os pretores
usam togas de púrpura, bordadas,
e pulseiras com grandes ametistas
e anéis com tais brilhantes e esmeraldas?
Por que hoje empunham bastões tão preciosos
de ouro e prata finamente cravejados?

É que os bárbaros chegam hoje,
tais coisas os deslumbram.

Por que não vêm os dignos oradores
derramar o seu verbo como sempre?

É que os bárbaros chegam hoje
e aborrecem arengas, eloquências.

Por que subitamente esta inquietude?
(Que seriedade nas fisionomias!)
Por que tão rápido as ruas se esvaziam
e todos voltam para casa preocupados?

Porque é já noite, os bárbaros não vêm
e gente recém-chegada das fronteiras
diz que não há mais bárbaros.

Sem bárbaros o que será de nós?
Ah! eles eram uma solução.

Konstantinos Kaváfis

Konstantinos Kaváfis
(Do livro Poesia Moderna da Grécia – Seleção, tradução direta do grego, Editora Guanabara, Rio de Janeiro, 1986.)

 

sábado, 21 de outubro de 2023

Rafeef Ziadah e o seu poema «As tonalidades da ira» Palestina

(duas traduções)

Rafeef Ziadah e o seu poema «As tonalidades da ira» Palestina

 

Deixem-me falar na minha língua árabe

antes que também ocupem minha língua.

Deixem-me falar na minha língua materna

antes que também colonizem sua memória.

Sou uma mulher árabe de cor

e viemos em todas as tonalidades da ira.

Tudo o que meu avô sempre quis fazer

foi levantar-se ao alvorecer e observar-me

a avó prostrar-se a rezar

numa aldeia escondida entre Jafa e Haifa.


Minha mãe nasceu sob uma oliveira

num chão que, dizem, já não é meu;

mas vou cruzar as barreiras, o checkpoint,

os muros loucos do apartheid e voltarei para casa.


Sou uma mulher árabe de cor

e viemos em todas as tonalidades da ira.

Ouviram ontem os gritos da minha irmã,

quando dava à luz num checkpoint

com soldados israelitas olhando entre as suas pernas a próxima ameaça demográfica?

à filha nascida chamou-lhe, Jenin.

E ouviram alguém gritar

«estamos de voltando à Palestina!»

atrás das grades da prisão,

enquanto disparavam gás lacrimogéneo para a cela?

Eu sou uma mulher árabe de cor

e viemos em todas as tonalidades da ira.


Mas dizes-me que esta mulher que há dentro de mim

só te trará o teu próximo terrorista:

barbudo, armado, lenço na cabeça, negro.

dizes-me que mando os meus filhos para morrer?

mas esses são os teus helicópteros,

os teus F-16 no nosso céu.


E falemos um pouco sobre esta questão do terrorismo...

Não foi a CIA que matou Allende e Lumumba?

E quem primeiro treinou Osama?

Meus avós não corriam em círculo, como palhaços,

com capas e capuzes brancos na cabeça

linchando negros.


Eu sou uma mulher árabe de cor

e viemos em todas as tonalidades da ira.

«Quem é essa mulher morena gritando na

manifestação?»

Desculpe. Não deveria gritar?

Esqueci de ser todos os teus sonhos orientais?

O génio da garrafa,

bailarina da dança do ventre,

mulher do harém,

voz suave,

mulher árabe,

Sim, senhor.

Não, senhor.

Obrigado pelas sandwiches de amendoim

que nos atiras dos teus f-16, gosto.


Sim, os meus libertadores estão aqui para matar os meus filhos

chamando-lhe «dano colateral.»


 Eu sou uma mulher árabe de cor

e viemos em todas as tonalidades da ira.

Assim, deixa-me dizer-te, que esta mulher que há dentro de mim

só te trará teu próximo rebelde.

Terá uma pedra numa mão e uma bandeira palestina na outra,

Sou uma mulher árabe de cor...

Tem cuidado, tem cuidado,

com a minha ira.

Rafeef Ziadah

اسمح لي أن أتكلم بلساني العربي قبل أن يحتل لغتي أيضا

Permita me falar minha língua árabe antes que eles ocupem minha língua também.

Permita me falar minha língua materna antes que eles colonizem sua memória também.

Eu sou uma mulher árabe de cor e nós vimos em todos os tons de fúria

Tudo o que meu avô sempre quis foi acordar ao amanhecer e ver minha avó ajoelhar e rezar em uma vila escondida entre Yaffah e Haifa

Minha mãe nasceu sob uma oliveira em um solo que eles dizem que não mais é meu

Mas eu cruzarei suas barreiras, seus checkpoints, seus malditos muros do apartheid e retornarei para minha terra natal

Eu sou uma mulher árabe de cor e nós vimos em todos os tons de fúria

E você ouviu minha irmã gritando ontem, quando ela deu a luz em um checkpoint com soldados israelenses olhando entre as pernas dela para a sua nova ameaça demográfica? Chamou sua bebê de Jenin.

E você ouviu Amna Muna gritando atrás das grades enquanto eles jogavam gás lacrimogêneo em sua cela?

Estamos retornando para a Filastin

Eu sou uma mulher árabe de cor e nós vimos em todos os tons de fúria

Mas você me diz que este útero dentro de mim gerará apenas o seu próximo terrorista

Usando barba, agitando armas, cabeça de toalha, negro da areia

Você me diz que eu envio meus filhos pra morrer

Mas são os seus helicópteros, os seus F-16’s nos nossos céus

E vamos conversar sobre esse negócio de terrorismo por um segundo:

Não foi a CIA que matou Allende e Lumumba?

E quem treinou Bin Laden, em primeiro lugar?

Meus avós não correram por aí como palhaços com capas brancas e capuzes brancos linchando negros!

Eu sou uma mulher árabe de cor e nós vimos em todos os tons de fúria

Então, quem é aquela mulher marrom gritando em um protesto?

Desculpe, eu não deveria gritar?

Eu me esqueci de ser seu sonho orientalista, gennie in a bottle, dançarina do ventre, garota de harém, mulher árabe de fala mansa

- “Sim, mestre! Não, mestre! Obrigado pelos sanduíches de manteiga de amendoim chovendo dos seus F-16’s sobre nós, mestre!”

Sim, meus libertadores estão aqui para matar meus filhos e chamá-los de dano colateral

Eu sou uma mulher árabe de cor e nós vimos em todos os tons de fúria

Então permita-me lhe dizer que este útero dentro de mim lhe trará apenas a sua próxima rebelde.

Ela terá uma pedra em uma mão e uma bandeira Palestina na outra

Eu sou uma mulher árabe de cor

Cuidado, tenha cuidado com minha fúria

*Tradução: Plínio Zúnica

 

quinta-feira, 19 de outubro de 2023

Talvez perca - se desejares - minha subsistência - Samih al Qasim سميح القاسم

 

Talvez perca - se desejares - minha subsistência

Talvez perca — se desejares — minha subsistência
Talvez venda minhas roupas e meu colchão
Talvez trabalhe na pedreira... como carregador... ou varredor
Talvez procure grãos no esterco
Talvez fique nu e faminto
Mas não me venderei
Ó inimigo do sol
E até a última pulsação de minhas veias
Resistirei
Talvez me despojes da última polegada da minha terra
Talvez aprisiones minha juventude
Talvez me roubes a herança de meus antepassados
Móveis... utensílios e jarras
Talvez queimes meus poemas e meus livros
Talvez atires meu corpo aos cães
Talvez levantes espantos de terror sobre nossa aldeia
Mas não me venderei
Ó inimigo do sol
E até a última pulsação de minhas veias
Resistirei
Talvez apagues todas as luzes de minha noite
Talvez me prives da ternura de minha mãe
Talvez falsifiques minha história
Talvez ponhas máscaras para enganar meus amigos
Talvez levantes muralhas e muralhas ao meu redor
Talvez me crucifiques um dia diante de espetáculos indignos
Mas não me venderei 
Ó inimigo do sol
E até a última pulsação de minhas veias
Resistirei
Ó inimigo do sol
O porto transborda de beleza... e de signos
Botes e alegrias
Clamores e manifestações
Os cantos patrióticos arrebentam as gargantas
E no horizonte... há velas
Que desafiam o vento... a tempestade e franqueiam os obstáculos
É o regresso de Ulisses
Do mar das privações
O regresso do sol... de meu povo exilado
E para seus olhos
Ó inimigo do sol
Juro que não me venderei
E até a última pulsação de minhas veias
Resistirei
Resistirei
Resistirei


Samih al Qasim

سميح القاسم

segunda-feira, 16 de outubro de 2023

(Brasil, 1945) - Pablo Neruda

 

                                  Luís Carlos Prestes 1898-1990      Pablo Neruda  1904-1973

(Brasil, 1945)

 

Quantas coisas quisera hoje dizer, brasileiros,
quantas histórias, lutas, desenganos, vitórias,
que levei anos e anos no coração para dizer-vos,
pensamentos
e saudações. Saudações das neves andinas,
saudações do Oceano Pacífico, palavras que me
disseram
ao passar os operários, os mineiros, os pedreiros,
todos
os povoadores de minha pátria longínqua.
Que me disse a neve, a nuvem, a bandeira?
Que segredo me disse o marinheiro?
Que me disse a menina pequenina dando-me
espigas?

 

Uma mensagem tinham: Era: Cumprimenta Prestes.
Procura-o, me diziam, na selva ou no rio.
Aparta suas prisões, procura sua cela, chama.
E se não te deixam falar-lhe, olha-o até cansar-te
e nos conta amanhã o que viste.

 

Hoje estou orgulhoso de vê-lo rodeado
por um mar de corações vitoriosos.
Vou dizer ao Chile: Eu o saudei na viração
das bandeiras livres de seu povo.

 

Me lembro em Paris, há alguns anos, uma noite
falei à multidão, fui pedir auxílio
para a Espanha Republicana, para o povo em sua
luta.
A Espanha estava cheia de ruínas e de glória.
Os franceses ouviam o meu apelo em silêncio.
Pedi-lhes ajuda em nome de tudo o que existe
e lhes disse: Os novos heróis, os que na Espanha
lutam, morrem,
Modesto, Líster, Pasionaria, Lorca,
são filhos dos heróis da América, são irmãos
de Bolívar, de O’Higgins, de San Martín, de Prestes.
E quando disse o nome de Prestes foi como um
rumor imenso
no ar da França: Paris o saudava.
Velhos operários de olhos úmidos
olhavam para o fundo do Brasil e para a Espanha.

 

Vou contar-vos outra pequena história.

 

Junto às grandes minas de carvão, que avançam
sob o mar,
no Chile, no frio porto de Talcahuano,
chegou uma vez, faz tempos, um cargueiro
soviético.

 

(O Chile não mantinha ainda relações
com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
Por isso a polícia estúpida
proibiu que os marinheiros russos descessem,
e que os chilenos subissem).
Quando a noite chegou
vieram aos milhares os mineiros, das grandes
minas,
homens, mulheres, meninos, e das colinas,
com suas pequenas lâmpadas mineiras,
a noite toda fizeram sinais, acendendo e apagando,
para o navio que vinha dos portos soviéticos.

 

Aquela noite escura teve estrelas:
as estrelas humanas, as lâmpadas do povo.
Também hoje, de todos os rincões
da nossa América, do México livre, do Peru
sedento,
de Cuba, da Argentina populosa,
do Uruguai, refúgio de irmãos asilados,
o povo te saúda, Prestes, com suas pequenas
lâmpadas
em que brilham as altas esperanças do homem.
Por isso me mandaram, pelo vento da América,
para que te olhasse e logo lhes contasse
como eras, que dizia o seu capitão calado
por tantos anos duros de solidão e sombra.

 

Vou dizer-lhe que não guardas ódio.
Que só desejas que a tua pátria viva.
E que a liberdade cresça no fundo
do Brasil como árvore eterna.

Eu quisera contar-te, Brasil, muitas coisas caladas.
carregadas por estes anos entre a pele e a alma,
sangue, dores, triunfos, o que devem se dizer
o poeta e o povo: fica para outra vez, um dia.

Peço hoje um grande silêncio de vulcões e rios.

Um grande silêncio peço de terras e varões.

Peço silêncio à América da neve ao pampa.

Silêncio: com a palavra o Capitão do Povo.

Silêncio: Que o Brasil falará por sua boca.

 

Pablo Neruda

Canto Geral

Tradução de Paulo Mendes Campos

Revista por Maria José de Queiroz

Difel/Difusão Editorial – edição 1979


sábado, 14 de outubro de 2023

Refugiado - Salim Jabran

 

Refugiado

O sol atravessa as fronteiras
sem que os soldados atirem
o rouxinol canta manhã e tarde
e dorme em paz
com todos os pássaros dos kibutz
um asno extraviado
pica o pasto
em paz
sobre a linha de fogo
sem que os soldados atirem nele
e eu
teu filho exilado
– Ó terra de minha pátria
entre meus olhos e teus horizontes
a muralha das fronteiras
 

Salim Jabran

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

A Segunda Vinda - William Butler Yeats

A Segunda Vinda

Girando e girando a voltas crescentes
O falcão não escuta o falcoeiro.
Tudo se parte, o centro não sustenta.
Mera anarquia avança sobre o mundo,
Marés sujas de sangue em toda parte
Os ritos da inocência sufocados.
Os melhores sem suas convicções,
Os piores com as mais fortes paixões.

É certo, está perto a revelação;
É certo, está perto a Segunda Vinda.
Segunda Vinda! Mal digo as palavras
E a imagem vasta do Spiritus Mundi
Turva-me a vista: no pó de um deserto
Um corpo de leão de crânio humano,
O olhar vazio e duro como o sol,
Move as pernas pesadas, e ao redor
Rondam sombras de pássaros coléricos.
Volta a escuridão; mas eu sei agora
Que o sono pétreo desses vinte séculos
Deu em sonho mau no embalo de um berço.
Qual besta rude, vinda enfim sua hora,
Arrasta-se a Belém para nascer?

 

William Butler Yeats

(1865 – 1939), “The Second Coming”,

 (tradução de Paulo Vizioli)

          

The Second Coming

Turning and turning in the widening gyre
The falcon cannot hear the falconer;
Things fall apart; the centre cannot hold;
Mere anarchy is loosed upon the world,
The blood-dimmed tide is loosed, and everywhere
The ceremony of innocence is drowned;
The best lack all conviction, while the worst
Are full of passionate intensity.

Surely some revelation is at hand;
Surely the Second Coming is at hand.
The Second Coming! Hardly are those words out
When a vast image out of Spiritus Mundi
Troubles my sight: somewhere in sands of the desert
A shape with lion body and the head of a man,
A gaze blank and pitiless as the sun,
Is moving its slow thighs, while all about it
Reel shadows of the indignant desert birds.
The darkness drops again; but now I know
That twenty centuries of stony sleep
Were vexed to nightmare by a rocking cradle,
And what rough beast, its hour come round at last,
Slouches towards Bethlehem to be born?

 

 

quarta-feira, 11 de outubro de 2023

A imagem é poesia

Tudo está em devir constante:

A Palestina renascerá dos escombros

«O triunfo da reação é moralmente impossível» Benito Juarez

terça-feira, 10 de outubro de 2023

Eu sei - Che Guevara

 

14 de junho 1928 – 9 de outubro 1967

Eu sei

Eu sei!... Eu sei!
Se sair daqui, o rio me engolirá...

É o meu destino: hoje devo morrer!
Mas... não!
A força de vontade pode superar tudo
Há obstáculos, eu reconheço
Não quero sair.
Se tenho que morrer
que seja nesta caverna.

As balas...
o que podem as balas fazer comigo
se meu destino é morrer afogado?
Vou vencer o destino.
O destino pode ser
conseguido pela força de vontade.

Morrer, sim,
...mas crivado de balas
destroçado pelas baionetas,
...senão, não!
Afogado não...

Há uma recordação mais duradoura
do que meu nome
é lutar a vida inteira
e na hora da morte
morrer lutando.

 

Che Guevara

 


segunda-feira, 9 de outubro de 2023

Confissão de um terrorista! - Mahmoud Darwich

Confissão de um terrorista!

 

Ocuparam minha pátria

Expulsaram meu povo

Anularam minha identidade

E me chamaram de terrorista

 

Confiscaram minha propriedade

Arrancaram meu pomar

Demoliram minha casa

E me chamaram de terrorista

 

Legislaram leis fascistas

Praticaram odiada apartheid

Destruíram, dividiram, humilharam

E me chamaram de terrorista

 

Assassinaram minhas alegrias,

Sequestraram minhas esperanças,

Algemaram meus sonhos,

Quando recusei todas as barbáries

 

Eles... mataram um terrorista!

 

Mahmoud Darwich