domingo, 28 de fevereiro de 2010

Milagres


WALT WHITMAN

Milagres

Ora, quem acha que um milagre é alguma coisa de especial?
Por mim, de nada sei que não sejam milagres:
ou ande eu pelas ruas de Manhattan,
ou erga a vista sobre os telhados
na direcção do
céu,
ou pise com os pés descalços
bem na franja das águas pela praia,
ou fale durante o dia com uma pessoa a quem amo,
ou vá de noite para a cama com uma pessoa a quem amo,
ou à mesa tome assento para jantar com os outros,
ou olhe os desconhecidos na carruagem
de
frente para mim,
ou siga as abelhas atarefadas
junto à colmeia antes do meio-dia de verão
ou animais pastando na campina
ou passarinhos ou a maravilha dos insectos no ar,
ou a maravilha de um pôr-do-sol
ou das estrelas cintilando tão quietas e brilhantes,
ou o estranho contorno delicado e leve
da
lua nova na primavera,
essas e outras
coisas, uma e todas
para mim são milagres,
umas
ligadas às outras
ainda que cada uma bem distinta
e no
seu próprio lugar.
Cada momento de luz ou de treva
é
para mim um milagre,
milagre cada polegada cúbica de espaço,
cada metro quadrado da superfície da terra
por milagre se estende, cada
do
interior está apinhado de milagres.
O
mar é para mim um milagre sem fim:
os
peixes nadando, as pedras,
o
movimento das ondas,
os
navios que vão com homens dentro
— existirão
milagres mais estranhos?

Walt Whitman, in "Leaves of Grass


Miracles


Why, who makes much of a miracle?

As to me I know of nothing else but miracles,

Whether I walk the streets of Manhatan,

Or dart my sight over the roofs of houses toward the sky,

Or wade with naked feed along the beach just in the edge of the water,

Or stand under trees in the woods.

Or talk by day with any one I love, or sleep in the bed at night with any one I love,

Or sit at table at dinner with the rest,

Or look at strangers opposite me riding in the car,

Or watch honey-bees busy around the hive of a summer forenoon,

Or animals feeding in the fields,

Or birds, or the wonderfulness of insects in the air,

Or the wonderfulness of the sundown, or of stars shining so quiet and bright,

Or the exquisite delicate thin curve of new moon in spring;

These with the rest, one and all, are to me miracles,

The whole referring, yet each distinct and in its place.

To me every hour of the light and dark is a miracle,

Every cubic inch of space is a miracle,

Every square yard of the surface of the earth is spread with the same,

Every food of the interior swarms with the same,

To me the sea is a continual miracle,

The fishes swim – the rocks – the motion of the waves – the ships with men in tem,

What stranger miracles are there?



sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

AS MÃOS - Miguel Hernández


Miguel Hernández



AS MÃOS

Duas espécies de mãos se confrontam na vida,

brotam do coração, irrompem pelos braços,

caiem, e desembocam sobre a luz ferida

a golpes e punhadas.


A mão é a ferramenta da alma, a sua mensagem,

e o corpo tem nela o seu ramo combatente.

Levantai e movei as mãos num grande marulhar,

homens da minha semente.


Ante a aurora vejo surgir as mãos puras

dos trabalhadores terrestres e marinhos,

como uma primavera de ridentes afagos

de dedos matutinos.


Teimosamente povoadas de suores,

as veias retumbam desde as unhas partidas,

cobrem os espaços de andaimes e clamores,

relâmpagos e gotas.


Manejam utensílios, enxadas e teares,

mordem metais, montes, raptam machados, carvalhos,

e constroem, querendo, até mesmo no mar

fabricas, povoados, minas.


Estas sonoras mãos escuras e luzidias

revestem-se de uma pele curtida, invencível

e são inesgotáveis e generosas fontes

de vida e de riqueza.


Como se com os astros a poeira pelejasse,

como se os planetas lutassem com gusanos,

a espécie das mãos trabalhadora e clara

luta com outras mãos.


Ferozes e juntas num bando sangrento

avançam quando se afundam os céus vespertinos

umas mãos de osso lívido e avarento,

paisagem de assassinos.


Não tocaram nem cantam. Os seus dedos soltam roncos,

mudamente esvoaçam, multiplicam-se, propagam-se.

Não teceram o burel, nem nasceram os troncos,

e lânguidas de ócio vagueiam.


Empunham crucifixos e acumulam tesouros

que a ninguém pertencem se não a quem os labora,

e seus mudos crepúsculos absorvem os sonoros

caudais da aurora.


Orgulho de punhais, arma de bombardeios

com um cálice, um crime e um morto em cada garra:

executoras pálidas de negros desejos

que a avareza impõe.


Quem lavará estas mãos lodosas que se lançam

à água e a desonram, envergonham e estragam?

Ninguém lavará mãos que no punhal se incendeiam

e no amor se apagam.


As laboriosas mãos dos trabalhadores

cairão sobre as vossas com dentes e cutelos.

E aos pés de muitos exploradores

elas cairão cortadas.


Miguel Hernández

(tal como Lorca assassinado pelos franquistas)



LAS MANOS

Dos especies de manos se enfrentan en la vida,
brotan del corazón, irrumpen
por los brazos,
saltan, y desembocan
sobre la luz herida
a
golpes, a zarpazos.

La mano es la herramienta del alma, su mensaje,
y el cuerpo tiene en ella su
rama combatiente.
Alzad, moved las
manos en un gran oleaje,
hombres de
mi simiente.

Ante la aurora veo surgir las manos puras
de los trabajadores
terrestres y marinos,
como una primavera de alegres dentaduras,

de dedos matutinos.

Endurecidamente pobladas de sudores,
retumbantes las venas desde las uñas rotas,
constelan los espacios de andamios y
clamores,
relámpagos y
gotas.

Conducen herrerías, azadas y telares,
muerden
metales, montes, raptan hachas, encinas,
y construyen,
si quieren, hasta en los mismos mares
fábricas, pueblos, minas.

Estas sonoras manos oscuras y lucientes
las reviste
una piel de invencible corteza,
y son inagotables y generosas fuentes
de
vida y de riqueza.

Como si con los astros el polvo peleara,
como si los planetas lucharan con gusanos,
la especie de las
manos trabajadora y clara
lucha con otras
manos.

Feroces y reunidas en un bando sangriento
avanzan al hundirse los cielos
vespertinos
unas
manos de hueso lívido y avariento,
paisaje de asesinos.

No han sonado: no cantan. Sus dedos vagan roncos,
mudamente aletean, se ciernen, se propagan.
Ni tejieron la
pana, ni mecieron los troncos,
y blandas de ocio vagan.

Empuñan crucifijos y acaparan tesoros
que a nadie corresponden sino a quien los labora,
y sus
mudos crepúsculos absorben los sonoros
caudales de la aurora.

Orgullo de puñales, arma de bombardeos
con un cáliz, un crimen y un muerto en
cada uña:
ejecutoras pálidas de los
negros deseos
que la avaricia empuña.

¿Quién lavará estas manos fangosas que se extienden

al agua y la deshonran, enrojecen y estragan?
Nadie lavará
manos que en el puñal se encienden
y en el
amor se apagan.

Las laboriosas manos de los trabajadores
caerán
sobre vosotras con dientes y cuchillas.
Y las verán
cortadas tantos explotadores

en sus mismas rodillas.

Miguel Hernández

(15 de febrero de 12937)

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terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

António Miranda - POETA


O HAITI SOMOS NÓS

Para Zilda Arns,
in memoriam*



Todos os furacões açoitaram o Haiti!!
E o Haiti é o
nosso paradigma de liberdade!
Todos os ditadores devastaram o Haiti!
E o Haiti é
nosso exemplo de iluminismo!
Espelho de Bolivar e admiração de Washington!
Todos os terremotos abalaram o Haiti!
Alejo Carpentier sabia
ser ali, sem dúvida,
"el
reino de este mundo", a Bastilha da América!
Reflexos, vestígios de uma herança maldita.
Devemos
manipular magicamente
os
elementos, para exorcizá-los. Vudú.
Diante das imagens terríveis dos destroços,
vêm as
perguntas de respostas sabidas!
De
horror, de indignidade, de indiferença.
Diante das imagens terríveis dos escombros,
a
mesma pergunta que o Papa fez
quando visitou os campos de extermínio:
"
Onde estava Deus?" Onde estamos nós?!

Janeiro de 2010

Poema de Antonio Miranda

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

TURBULÊNCIA - IMENSIDÃO - TURISMO SENTIMENTAL - EGOÍSMO


POEMAS

TURBULÊNCIA

O vento experimenta

o que irá fazer

com sua liberdade

IMENSIDÃO

Cheiro salgado

de um cavalo suado.

Quem galopa no mar?...

TURISMO SENTIMENTAL

Viajei toda a Ásia

ao alisar o dorso

da minha gata angorá

EGOÍSMO

Se fosse eu

a chorar de amor,

sorriria…

João Guimarães Rosa