sexta-feira, 31 de agosto de 2018

A Fúria mais fatal e mais medonha - Francisco Joaquim Bingre

A Fúria mais fatal e mais medonha

Das Fúrias infernais foi sempre a Inveja
No mundo a mais fatal e a mais medonha,
Pois faz dos bens dos outros a peçonha
Com que a si mesma se envenena e peja.

Com ira e com furor, raivosa, arqueja,
Com vinganças, traições, com ódios sonha.
Onde quer que se encoste e os olhos ponha,
Tragar as ditas dos mortais deseja.

Mãe dos males fatais à Sociedade,
Vidas, honras destrói, cismas fomenta,
Nutrindo n’alma as serpes da Maldade.

O próprio coração que come a alenta,
Vive afogada em ondas de ansiedade,
Da frenética raiva se alimenta.

in ‘Sonetos’

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

INVICTO - William Ernest Henley


INVICTO

Da noite escura que me cobre,
Como uma cova de lado a lado,
Agradeço a todos os deuses
A minha alma invencível.

Nas garras ardis das circunstâncias,
Não titubeei e sequer chorei.
Sob os golpes do infortúnio
Minha cabeça sangra, ainda erguida.

Além deste vale de ira e lágrimas,
Assoma-se o horror das sombras,
E apesar dos anos ameaçadores,
Encontram-me sempre destemido.

Não importa quão estreita a passagem,
Quantas punições ainda sofrerei,
Sou o senhor do meu destino,
E o condutor da minha alma.


INVICTUS
Out of the night that covers me,
Black as the Pit from pole to pole,
I thank whatever gods may be
For my unconquerable soul.
In the fell clutch of circumstance
I have not winced nor cried aloud.
Under the bludgeonings of chance
My head is bloody, but unbowed.
Beyond this place of wrath and tears
Looms but the Horror of the shade,
And yet the menace of the years
Finds and shall find me unafraid.
It matters not how strait the gate,
How charged with punishments the scroll
I am the master of my fate:
I am the captain of my soul.

Tradução: Thereza Christina Rocque da Motta

terça-feira, 28 de agosto de 2018

Não desista - Rudyard Kipling

Não desista

Quando as coisas forem mal como às vezes acontece.
Quando em tua caminhada a subida apenas cresce.
Quando for pouco o que tenhas para o muito que pagar,
E quiseres só sorrir, porém tendo que chorar.
Quanto te preocupares quase à beira de cair,
Descansar talvez precises, mas não deves desistir!


Com suas voltas e retornos, imprevista vai a vida,
Nos passando uma lição que devia ser aprendida.
Pode dar a meia volta muitas vezes um fracasso
E você teria vencido se insistisse sem cansaço.
Não permita se abater quando os passos forem lentos –
Você pode ainda vencer com um outro movimento.  


O sucesso é o fracasso, mas virado pelo avesso –
Uma pátina de prata sobre as nuvens do tropeço.
E você não saberá o quão perto pode estar
Se o que mais longe pareça a teu lado te aguardar.
Lute mais se mais ferido pelo amargo do elixir
É na hora do pior que não deves desistir.



Tradução de Fabio Malavoglia
Don't quit
When things go wrong as they sometimes will.
When the road you're drudging seems all uphill.
When the funds are low, and the debts are high,
and you want to smile but you have to sigh.
When care is pressing you down a bit.
Rest if you must but don't you quit!

Life is queer with its twists and turns,
as everyone of us sometimes learns.
And many a failure turns about.
When he might have won had he stuck it out.
Don't give up though the pace seems slow -
you may succeed with another blow.

Success is failure turned inside out –
the silver tint of the cloud of doubt.
And you never can tell how close you are.
It may be near when it seems so far.
So stick to the fight when you're hardest hit-
it's when things seem worst that you must not quit.




domingo, 26 de agosto de 2018

A flor e a náusea - Carlos Drummond de Andrade


A flor e a náusea

Preso à minha classe e a algumas roupas,
vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjoo?
Posso, sem armas, revoltar-me?

Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.

Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.

Por fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.

Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ónibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos move-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.