terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Recado aos corvos - A M Pires Cabral



recado aos corvos

Levai tudo:
o brilho fácil das pratas,
o acre toque das sedas.

Deixai só a incomensurável
memória das labaredas

domingo, 26 de fevereiro de 2017

PORTUGAL - Arnaldo Saraiva



PORTUGAL

Os novos donos tropeçam nos antigos
enchem os grémios as igrejas as
p
a
n
ç
a
s
coçam pudicamente as partes da vergonha
trocam galhardetes
salamaleques
tintas
pluralistas
pálidos ainda ontem ei-los agora inchados
heróis autocondecorados da coisa pública
não tiram o olho da privada
a meteorologia é-lhes favorável por enquanto
mas temem os tremores
da terra
em nome da vida (curta)
soletram a história sono lenta
disse Pessoa
A Europa jaz, posta nos cotovelos.
O rosto com que fita é Portugal.
os novos donos velhos
estão com a Europa deles que está com eles
mas viram pessoas (e coisas) do avesso
onde se via «rosto» su/põem eles «traseiros»
e divertidos com a fita
  a
vão c  ntando evacuando
   o
patrioticamente
até Portugal ser «de novo» um país de
h
c   a   c  a    (chacha)
            h

sábado, 25 de fevereiro de 2017

Constrói os teus palácios - Ahmed Fouad Negm




Constrói os teus palácios


Podes construir teus palácios nos nossos campos
com o suor e o trabalho de nossas mãos
podes pôr teus armazens junto às fábricas
e prisões em lugar de jardins,
podes soltar teus cães pelas ruas
e aprisionar-nos
podes roubar-nos o sonho onde desde sempre dormimos,
podes levar-nos ao extremos do sofrimento.

Agora já sabemos quem nos fere,
Estão identificados e unimo-nos
operários, camponeses e estudantes;
chegou a nossa hora
e comprometemo-nos neste caminho sem regresso.
A vitória está ao alcance das nossas mãos,
a vitória vai para além dos nossos horizontes.

Ahmed Fouad Negm

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

ZECA 2/8/1929 – 23/2/1987


 

Amigo

Maior que o pensamento
Por essa estrada amigo vem
Por essa estrada amigo vem
Não percas tempo que o vento
É meu amigo também
Não percas tempo que o vento
É meu amigo também

Em terras
Em todas as fronteiras
Seja bem vindo quem vier por bem
Se alguém houver que não queira
Trá-lo contigo também

Aqueles
Aqueles que ficaram
(Em toda a parte todo o mundo tem)
Em sonhos me visitaram
Traz outro amigo também


quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

“Olha e observa este vulcão de vozes.” - ARMANDO SILVA CARVALHO

Armando Silva Carvalho vence prémio literário do Correntes de Escritas


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Olha e observa este vulcão de vozes.
As inúmeras chamas que desabam nas salas
do poder, aqui, podes ouvi-las.
Sabes como trabalham as palavras
os tijolos e também o cimento.
Agora podes vê-los nas operosas visões
do lume, subindo gota a gota
a estrada incorruptível das raízes
ao cume.
Os amantes do tempo sossegam o desejo.
A praça de vidros cintilantes
ecoa no espaço abrupto cavado pelos sons
que agora te angustiam.
Tens tempo agora de lavar o cérebro
com a alva interior que cristalizou afagos
ausências e prisões.
Não lamentes o choro das mães arrepiadas.
Colhe a participação civil o susto o vento
que acende violento este clarão na chuva.
Entraste nas palavras com toda a vertigem
do silêncio.
E o coro desabou sobre o palácio
as lâminas profundas contra o solo
fendendo a espessa ganga
o pesadelo.
Olha e observa este vulcão de luzes.
Miríficas pupilas que despertam na praça
e recortam no opaco as paredes dum rosto.
Mas não tentes exceder-te.
Encontras nos amigos os travos emotivos
a trave que foi mestra sobre os tetos da história. Não
sejas como aqueles, no jogo absorvidos,
de costas para a cidade,
que cultivam lutas sobre os tabuleiros
e mortos, realmente mortos,
diziam ainda que viviam.



(ARMAS BRANCAS – 1977)
- Texto elaborado a partir de uma manifestação de trabalhadores da construção civil, junto ao Palácio de S. Bento.
12 de Novembro de 1975