terça-feira, 29 de junho de 2010

Saramago por Sepúlveda

Um homem chamado Saramago


Excluindo algumas setas envenenadas com a chancela do Santo Ofício as homenagens a Saramago inundam a blogosfera.

www.lemondediplomatique.cl

«Caim», o último romance de José Saramago, chegou-me num dia de chuva e o envelope que continha o livro vinha meio desfeito, mas a tinta da esferográfica é felizmente resistente e a dedicatória não tinha sofrido danos. Também chovia dezoito anos em Bad Homburg, um lugar perto de Franqueforte onde, todos os anos, começava realmente a Feira do Livro, a mítica Buchmesse, durante um jantar oferecido por Ray-Güde Mertin, a nossa agente literária. E nessa tarde de chuva, enquanto todos bebíamos óptimos vinhos alemães, enquanto escritores e editores de todo o mundo nos encontrávamos, tocávamos e contávamos o que nesse momento nos ocupava, ninguém se apercebeu de que a campainha da casa não funcionava. De repente, um dos empregados aproximou-se da anfitriã e sussurrou-lhe: «À porta está um homem chamado Saramago».

Então entrou esse homem fraco acompanhado de um anjo chamado Pilar, esse homem que olhava os que ali estavam reunidos com ar de estar perdido, até que reconheceu o novelista Mario Delgado Aparaín e ambos se fundiram num abraço. A partir desse momento formou-se o recanto dos latino-americanos, que tentávamos responder às mil perguntas que José Saramago nos fazia, que sabia dos nossos países mais do que muitos de nós próprios.

José Saramago entendia a solidariedade como algo que é equivalente a viver, ninguém se envolveu tanto em tantas causas justas e em tão pouco tempo. Todos os que alguma vez o convidámos para ir a Chiapas, aos acampamentos do Tinduf, a Araucanía, a qualquer território do continente americano onde fosse necessária, não uma mensagenzita sem substância, mas um discurso forte sobre os direitos humanos, sobre a justiça e a dignidade dos pobres, sabíamos que o mais provável era que aceitasse, pondo em perigo a sua própria saúde e o seu precioso tempo de escritor enorme.

José Saramago chegou a todos os lugares onde acreditou que tinha que chegar. Soube definir melhor do que ninguém o que significava ser um comunista no confuso século XXI: é uma questão de atitude, disse, uma questão de ética frente aos acontecimentos e à história.

E agora chove também nas Astúrias quando a rádio me informa da morte desse homem chamado Saramago, cujo exemplo é um ícone da decência social, e que é autor de livros que permanecerão na memória dos séculos.

Será duro e difícil o caminho dos que estão preocupados com a ética sem a presença de José Saramago. Será duro saber que não estará quando precisarmos da sua voz encorajadora nas mil batalhas que estão pendentes contra um sistema feroz. Mas sei que uma voz nas nossas consciências, em todos os momentos de dúvidas ou perigos, nos recordará que connosco continua presente o exemplo desse homem, desse homem chamado Saramago.

(tradução de Agostinho Santos Silva)

Un hombre llamado Saramago

“Caín”, la última novela de José Saramago me llegó un día de lluvia y el sobre que contenía el libro venía medio desecho, pero la tinta de bolígrafo es por fortuna resistente y la dedicatoria no había sufrido daños. También llovía hace dieciocho años en Bad Homburg, un lugar cercano a Frankfurt donde, cada año, empezaba realmente la Feria del Libro, la mítica Buchmesse, durante una cena ofrecida por Ray-Güde Mertin, nuestra agente literaria. Y en esa tarde de lluvia, mientras todos bebíamos estupendos vinos alemanes, mientras escritores y editores de todo el mundo nos encontrábamos, tocábamos, narrábamos lo que en ese momento nos ocupaba, nadie se percató de que el timbre de la casa no funcionaba.

De pronto, uno de los camareros se acercó a la anfitriona y le susurró: “en la puerta hay un hombre llamado Saramago”. Entonces entró ese hombre flaco acompañado de un ángel llamado Pilar, ese hombre que miraba a los ahí reunidos con ademanes de estar perdido, hasta que reconoció al novelista uruguayo Mario Delgado Aparaín y ambos se fundieron en un abrazo. A partir de ese momento se formó el rincón de los latinoamericanos que tratábamos de responder a las mil preguntas que nos hacía José Saramago, que sabía de nuestros países más que muchos de nosotros mismos.

José Saramago entendía la solidaridad como un hecho consustancial a vivir, nadie se jugó tanto por tantas causas justas y en tan poco tiempo. Los que alguna vez lo invitamos a Chiapas, a los campamentos del Tinduf, a la Araucanía, a cualquier territorio del continente americano donde se precisara, no un mensajito esperanzador carente de médula, sino un discurso fuerte sobre los derechos humanos, la justicia y la dignidad de los pobres, sabíamos que lo más probable es que aceptara, poniendo en juego su propia salud y su precioso tiempo de escritor enorme.

José Saramago llegó a todos los lugares a los que creyó que tenía que llegar. Supo definir mejor que nadie lo que significaba ser un comunista en el confuso siglo XXI: es una cuestión de actitud, dijo, una cuestión de ética frente a los acontecimientos y la historia.

Y ahora llueve también en Asturias cuando la radio me informa del deceso de ese hombre llamado Saramago, cuyo ejemplo es un icono de la decencia social, y autor de libros que permanecerán en la memoria de los siglos.

Será dura y difícil la senda de los preocupados por la ética sin la presencia de José Saramago. Será duro saber que no está cuando precisemos de su voz alentadora en las mil batallas pendientes contra un sistema feroz. Pero que una voz en nuestras conciencias, en los momentos de dudas o peligros, nos recordará que con nosotros todavía sigue el ejemplo de ese hombre, de ese hombre llamado Saramago.

*Luis Sepúlveda es escritor y colaborador de Le Monde Diplomatique. Gijón, 18 de junio de 2010.



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domingo, 27 de junho de 2010

Manoel de Barros (voando fora da asa)

- voando fora da asa -

Será que os absurdos não são as maiores

virtudes da poesia?

Será que os despropósitos não são mais

carregados de poesia do que o bom senso?

Manoel de Barros,

Exercícios de ser criança

Tudo que os livros me ensinassem

os espinheiros me ensinaram.

Tudo que nos livros

eu aprendesse

nas fontes eu aprendera.

O saber não vem das fontes?

Manoel de Barros,

Cantigas por um passarinho à toa



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sexta-feira, 18 de junho de 2010

José Saramago

incansável caminhante tendo como meta o futuro


«A luta nunca foi vã!
Os braços em liberdade
Levantam outro amanhã.
E os lábios dão a florir
Os hinos desta verdade:
É de acção nosso porvir.»

"Arquimedes da Silva Santos"

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quarta-feira, 2 de junho de 2010

Ferreira Gullar - Prémio Camões

NÃOVAGAS

O
preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do
arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a
luz o telefone
a
sonegação
do
leite
da
carne
do
açúcar
do
pão

O
funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o
operário
que esmerila seu dia de aço
e
carvão
nas
oficinas escuras

-
porque o poema, senhores,
está fechado:
"
nãovagas"

cabe no poema
o
homem sem estômago
a
mulher de nuvens
a
fruta sem preço

O
poema, senhores,
não fede
nem cheira

Ferreira Gullar