domingo, 31 de março de 2019

Viver é... correr riscos - Søren Kierkegaard


Viver é... correr riscos


Rir é arriscar-se a parecer louco.
Chorar é arriscar-se a parecer sentimental.

Estender a mão para o outro é arriscar-se a se envolver.
Expor seus sentimentos é arriscar-se a expor seu eu verdadeiro.

Amar é arriscar-se a não ser amado.
Expor suas ideias e sonhos ao público é arriscar-se a perder.

Viver é arriscar-se a morrer...
Ter esperança é arriscar-se a sofrer deceção.

Tentar é arriscar-se a falhar.
Mas... é preciso correr riscos.

Porque o maior azar da vida é não arriscar nada...
Pessoas que não arriscam, que nada fazem, nada são.

Podem estar evitando o sofrimento e a tristeza.
Mas assim não podem aprender, sentir, crescer, mudar, amar, viver...

Acorrentadas às suas atitudes, são escravas;
Abrem mão de sua liberdade.
Só a pessoa que se arrisca é livre...

"Arriscar-se é perder o pé por algum tempo.
Não se arriscar é perder a vida..."

Søren Kierkegaard

sábado, 30 de março de 2019

Sangue negro - Jacinta Passos

Sangue negro
(para Jorge Amado)

Terras curvas do Recôncavo
onde adormece o oceano,
no teu subsolo circula
sangue negro cor da noite,
da cor co preto africano,
preto cujo sangue escravo
regou o solo baiano.

Terras curvas do Recôncavo
Onde adormece o oceano,
de tuas veias abertas
escorre
o petróleo baiano,
sangue negro do Brasil.

Operário mestiço!
tuas ásperas mãos – e tu não sabes disso –
tuas mãos quando movem as máquinas do Poço
movem forças latentes,
movem forças criadoras,
movem o Brasil, tuas mãos libertadoras.

Teu gesto inicial se transmite e propaga,
repercute longe até nas selvas do Oeste
e cresce, desdobrado como cresce uma onda
de mar,
cresce e acelera o ritmo da Volta Redonda,
gerando máquinas sem parar,
e gera usinas
onde o ferro e os metais tirados das minas
do ventre da terra.


Jorge Amado, à época intelectual comunista, residente em Salvador e já de grande sucesso, era amigo de Jacinta; ambos escreviam para o jornal O Imparcial. A partir de 1945, Jacinta tornou-se cunhada de Jorge, ao se casar com o irmão dele.


quinta-feira, 28 de março de 2019

CARTA DE AGOSTO (1994) - Inês Lourenço

CARTA DE AGOSTO (1994)

Um ermo de turismo alarve este
calor paleolítico, uma poeira meridional
ateia os objectos ressequidos, um misto
de esquinas e esplanadas de cerveja, homens
de camisa às riscas escarrando na noite e mulheres
de pernas depiladas e axilas com Impulse. Enjoa
este cortejo carnívoro de utentes
de O Mesmo. Nos balcões
toda a posteridade de Sancho Pança estende as mãos
e há nas ruas muitos vendedores de brincos e colares,
honestos emigrantes, decentes empreiteiros, padres, cartomantes,
velhas prostitutas e mais
milhentas entidades cheias de humanas intenções
e ainda mais senso comum. Gostava
de te ouvir por alguns momentos. Envio-te
mensagens telepáticas que repito sete vezes seguidas.
Há palavras gastas que não escrevo nem digo há tanto tempo,
como: Amo-te muito. Meu amor, que saudades. Vem depressa.
E outras ainda mais gastas que digo todos os dias,
como: Foda-se esta merda. (Somos do norte e não somos
castos nem cautos na linguagem). Abundam as reprises
pelos cinemas escassos. Os hits de verão atroam
discotecas. Há jardins ralos. Passeios gordurosos. Bufões
de motocicleta. Os cimos das torres das igrejas
à espera das bátegas de chuva dum íntimo outono
são ainda as únicas glórias do verão.


Inês Lourenço

quarta-feira, 27 de março de 2019

Era uma vez um país - Miguel Calhaz


 
Era uma vez um país

Era uma vez um país
"Lá num canto desta velha Europa,
era uma vez um país
vivia à beira do mal "prantado",
mas apodrecia na raíz

Reza a história que foi saqueado
mesmo por debaixo do nariz
Triste sina, oh que triste fado,
era uma vez um país

Os mandantes que por lá passavam
eram só ares de "bon vivant"
Viviam à grande e à francesa
como se não houvesse amanhã

Havia quem avisasse o povo
p´ra não dar cavaco a imbecis
Mas caíram na asneira de novo,
era uma vez um país

Esta fábula do imaginário
tão próxima do que é real
Canção de maledicente escárnio
à república do bananal

Que se encontrava em tão mau estado,
andava a gente tão infeliz
E o polvo já tão infiltrado,
era uma vez um país

E lá se vão sucedendo os casos,
grita o povo: "agarra que é ladrão!"
Mas passam belos dias à sombra do loureiro
Enquanto o Duarte lima as grades da prisão

E nunca se esgotam personagens
neste faz de conta que é assim
Raposas com passos de coelho no mato
e até um corta relvas de madeira no jardim

Entre campeões de assalto à vara
e filósofos de pacotilha
Entram nas portas dos submarinos azeiteiros de oliveira às costas
com o ouro da nação p'ra por nas ilhas Cai-mão, cai-pé, 
baixa os braços e as calças e a cabeça e o nariz,
aqui finda esta história que não tem final feliz"
(era uma vez um país)

Miguel Calhaz
Prémio Ary dos Santos -- Poesia
Tema -- Era uma Vez um País
Autor - Miguel Calhaz
Intérprete -- Miguel Calhaz

terça-feira, 26 de março de 2019

Palestina - César Príncipe

Palestina
Gaza-Pietà

Na Palestina não há direito à vida
Um filho sai à bomba da barriga
Uma mãe chora a família abatida
Uma virgem premeia um suicida
Na Palestina há direito à guerra
Só no subsolo se defende a terra
No solo vivem na idade da Pedra
Subindo ao céu têm força aérea
Na Palestina há direito à educação
Uma escola a arder serve de lição
Estuda-se à luz desta ilumiNação
O diploma obtém-se a gritar NÃO
Na Palestina há direito ao medo
Ao top mundial de desemPrego
Ao maior cerco e maior degredo
Ao recorde mundial do desespero
Na Palestina não há direito a nada
Come-se o pão ázimo da intifada
Bebe-se urânio e fósforo na água
Dorme-se na ruína da nossa casa
Na Palestina há direito a tudo
À garantia de não ter lugar seguro
À segurança de ter um alto muro
À esperança de morrer pelo futuro

In, Autos das Necrópoles
Naufrágios do Louvre, pag.55