domingo, 30 de junho de 2013

Nestes últimos tempos

441) Nestes últimos tempos

Nestes
últimos tempos é certo que a esquerda fez erros
Caiu
em desmandos confusões praticou injustiças

Mas que diremos da longa tenebrosa e perita
Degradação das coisas que a direita pratica?

Que diremos do lixo do seu luxo - de seu
Viscoso gozo da nata da vida - que diremos
De
sua feroz ganância e fria possessão?

Que diremos de sua sábia e tácita injustiça
Que diremos de seus conluios e negócios
E do
utilitário uso dos seus ócios?

Que diremos de suas máscaras álibis e pretextos
De
suas fintas labirintos e contextos?

Nestes
últimos tempos é certo que a esquerda muita vez
Desfigurou as
linhas do seu rosto

Mas que diremos da meticulosa eficaz expedita
Degradação da vida que a direita pratica?

Sophia de Mello Breyner Andresen
Julho de 1976


sexta-feira, 28 de junho de 2013

Enquanto - António Gedeão



Enquanto

Enquanto houver um homem caído de bruços no passeio
e um sargento que lhe volta o corpo com a ponta do
para ver como é;
enquanto o sangue gorgolejar das artérias abertas
e correr pelos interstícios das pedras,
pressuroso e vivo como vermelhas minhocas despertas;
enquanto as crianças de olhos lívidos e redondos como luas,
órfãs de pais e de mães,
andarem acossadas pelas ruas
como matilhas de cães;
enquanto as aves tiverem de interromper o seu canto
com o coraçãozinho débil a saltar-lhes do peito fremente,
num silêncio de espanto
rasgado pelo grito da sereia estridente;
enquanto o grande pássaro de fogo e alumínio
cobrir o mundo com a sombra escaldante das suas asas
amassando na mesma lama de extermínio
os ossos dos homens e as traves das suas casas;
enquanto tudo isso acontecer, e o mais que não se diz por ser verdade,
enquanto for preciso lutar até ao desespero da agonia,
o poeta escreverá com alcatrão nos muros da cidade

ABAIXO O MISTÉRIO DA POESIA.
António Gedeão

quarta-feira, 26 de junho de 2013

FEIOS, PORCOS E MAUS

FEIOS, PORCOS E MAUS

Compram aos
catorze a primeira gravata
com as cores do partido que melhor os ilude.
Aos quinze fazem
por dar nas vistas no congresso
da
jota, seguem a caravana das bases, aclamam
ou apupam pelo cenho das chefias, experimentam
o bailinho das
federações de estudantes.
Sempre voluntariosos, a postos sempre,
para as tarefas de limpeza após combate.
São os chamados anos de formação. aprendem
a
compor o gesto, a interpretar humores,
a
mentir honestamente, aprendem a leveza
das
palavras, a escolher o vinho, a espumar
de
sorriso nos dentes, o sim e o não
mais oportunos. Aos vinte conhecem
pelo faro o carisma de uns, a menos valia
de
outros, enquanto prosseguem vagos estudos
de
Direito ou de Economia. Começam, depois
disso, a
fazer valer o cartão de sócio: estão à vista
os
primeiros cargos, há trabalho de sapa pela frente,
é
preciso minar, desminar, intrigar, reunir.
os piores conseguem ultrapassar esta fase.
então quempelos municípios, quem prefira
os
organismos públicostudo depende do golpe
de
vista ou dos patrocínios que se tem ou não.
Aos trinta e
dois é bem o momento de começar
a
integrar as listas, de preferência em lugar
elegível, pondo sempre a baixeza em cima de tudo.
A partir do Parlamento, tudo pode acontecer:
director de
empresa municipal, coordenador de,
assessor de ministro, ministro, comissário ou
director-executivo,
embaixador na Provença,
presidente da Caixa, da PT, da PQP e, mais à frente
(
jubileu e corolário de solvente carreira),
o golden-share de uma
cadeira ao pôr-do-sol.
No
final, para os mais obstinados, pode haver
nome de rua (com ou sem estátua) e flores
de
panegírico, bombardas, fanfarras de formol.
JOSÉ MIGUEL SILVA
Movimentos no Escuro (2005)

terça-feira, 25 de junho de 2013

Greve Geral - César Príncipe

Greve Geral
 Vamos falar de greve geral
Uma
greve geral nunca é total
Imagina
que todos fariam greve
Diz-nos O
impossível para que serve
Sim Cumpre o possível É o teu dever
Não te desculpes para nada fazer
 
Hoje vamos falar de greve geral
Em qualquer local Aqui Em Portugal
quem não alinhe em greves gerais
Nem sequer adira a greves parciais
quem esteja contra as paralisações
Quando não são decretadas por patrões
 
Hoje vamos falar de greve geral
Esquece a tua
greve imaginária
O
capital marca greves todo o ano
Muito mais de 1 milhão não tem trabalho
Marca a nossa Fá-la tua Colabora
És uma
peça do xadrez da vitória
 
Hoje vamos falar de greve geral
Mas de quem produz Da massa laboral
Não achas que é tempo de baixar os braços
Para levantar os salários baixos
Se
não achas Fica a exigir a lua
Enquanto na terra a luta continua
 
Hoje vamos falar de greve geral
Não és trabalhador a trabalhar
Não resolves o teu caso no cantinho
Nem com medo Nem com sorte Nem sozinho
Sim Decide com quem estás e com quem vais
Os
teus problemas são todos nacionais
 
Hoje vamos falar de greve geral
Contra o poder de explorar e amedrontar
Camarada Colega Amigo Aliado
Pára
Escuta Tens mais força parado
Hoje fabricarás faixas e bandeiras
Megafones Coletes e braçadeiras
 
Hoje vamos falar de greve geral
Em qualquer local Aqui Em Portugal
Os
piquetes são a tropa perfilada
O
abraço antigo A conversa actualizada
Se
me perguntarem de que lado estou
Direi Do
lado que a História me ensinou
 
Hoje vamos falar de greve geral
É
dia da pátria obreira e fraternal
Estou
contigo Estás comigo Companheiro
Traz
outro amigo Camarada verdadeiro
Viva a máquina do mundo e do progresso
Faço
greve Ganho o meu dia Protesto
Sim Greve geral Cada vez mais geral
Fazem a
guerra Querem paz social
Fica à
porta da empresa e do Estado
Hoje não entres no sítio errado
Não piques o ponto da resigNação
um murro na mesa da enceNação
Sim Greve geral Cada vez mais geral
Em qualquer local Aqui Em Portugal
Viva a máquina do mundo e do progresso
Faço
greve Ganho o meu dia Protesto

César Príncipe