sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Desobediência - Howard Zinn

"A desobediência civil não é o nosso problema. O nosso problema é a obediência civil. O nosso problema é que pessoas por todo o mundo têm obedecido às ordens de líderes e milhões têm morrido por causa dessa obediência. O nosso problema é que as pessoas são obedientes por todo o mundo face à pobreza, fome, estupidez, guerra e crueldade. O nosso problema é que as pessoas são obedientes enquanto as cadeias se enchem de pequenos ladrões e os grandes ladrões governam o país.
É esse o nosso problema."
Howard Zinn

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Heitor César Oliveira - O passado não é um altar



O passado não é um altar

Sinto falta e admito que sim
Não pelo que foi,
Não por saudades,
Mas sim pelo que poderia ter sido
Pelas possibilidades perdidas
Pelo futuro não trilhado
O Passado não precisa virar local de lamentos,
Um local de tristezas,
Mas sim, de pontos de partidas
De provas que as coisas mudam,
Que a realidade se transforma
Que a vida caminha
Que o mundo flúi.

Heitor César Oliveira

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Carlos Mota de Oliveira

Um poema de Carlos Mota de Oliveira


Meio Milhão De Desempregados

Mexendo
a
maxila

da
gruta
do
Escoural

O
porcalho

O
pequenote

O
rançoso

deputado
da
maioria

avisa
que
se
Deus

não acudir
com
um milagre

qualquer
dia

a
unha

a
pata

mais
ou menos
suína

que permite
a
um deputado

arrastar-se
pelos
corredores

da
Assembleia

pode
medir

apenas
seis

centímetros
de
comprimento.

Anda mas
é
direito

sem ser
de
gatinhas,

gritam
uns!

E
outros:

Põe
mas é

o
teu
chato
nalguma
parte!

Por cima
do


está
o
manto,

explica-se
o
capão

o
merdeiro

o
viril
Telmo

do
partido
do
tarimbeiro
Portas.

Tens
mas
é
a
mandíbula

e as
orelhas
de
um berbere

Um sexo
devoto

e
outros

dons
gratuitos:

Piolhos
na
cabeça

Piolhos
no
fato

Piolhos
na
barriga

no
púbis

por
cima

do
recto

por detrás
da
bexiga!

De
modo
beato
e
florido

Casto
e
opusdeitado

Sem
sujidade

na
língua

Qual
membro

genital
ou
da
Igreja

Não contagiado
de
gálico

Como uma vaca
dos
arredores de Lisboa

Virado
para baixo

Coberto
de
pêlos

O alindado
Presidente

tenta
serenar
o Consistório:

“A
excitação,
senhores
deputados,

determina
o
aumento

da
massa

do
tecido
excitado.

Desta
sorte,

as
queixadas
de
um deputado

tendem
a
tomar

uma
forma
imunda
e
ruminante.

Um
deputado

não é
um animal

de
lavoura

ou um caldo
de
castanhas piladas!

Um deputado
não é
uma
ninharia

Um deputado
não é
a
unha

de
um
solípede

um chifre
nojento

um
fumeiro

ou uma loção
para
a
sarna!

Um deputado
não é
o
pecado original

Um deputado
faz
o
ninho

nas
cadeiras

do
hemiciclo

e os
seus ovos

são recolhidos
e
consumidos!”

Ó Amaral
montas
é
muito mal!

Enche-te
mas é
de
genebra

um
pouco

de
noz
moscada

uma
casca
de
laranja

e toca-nos
ao
bicho!

E exultam
e
regozijam-se

os
ministros
da
Nação:

Ó
Amaral

o
estômago

de
um
deputado

nunca pode
estar
desocupado!

Ó Amaral
montas
é
muito mal!

Ó Amaral
enche-te
mas é de genebra

Ó
Amaral

que
diabo

com
franqueza

toca-nos
mas é
ao
bicho!

em Este Outono Sobre os Móveis Dourados, s.l.: Edição de Autor, prefácio de Miguel Serras Pereira, 2005, pp. 97-112.

sábado, 15 de fevereiro de 2014

NEVOEIRO - Fernando Pessoa


Fernando Pessoa 

NEVOEIRO

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer -
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a Hora!


Poema de Fernando Pessoa [Ortónimo] in Mensagem, 1934

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

SOLIDÃO - Manuel da Fonseca

SOLIDÃO

Que venham todos os pobres da Terra
os ofendidos e humilhados
os torturados
os
loucos:
meu abraço é cada vez mais largo
envolve-os a
todos!
 
Ó minha vontade, ó meu desejo
— os
pobres e os humilhados
todos
se quedaram de
espanto!…
 
(A luz do Sol beija e fecunda
mas os místicos andaram pelos séculos
construindo
noites
geladas
solidões.)

Manuel da Fonseca
In «Poemas Dispersos»

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Sono das Águas - Guimarães Rosa

Sono das Águas
"Há uma hora certa, no meio da noite, uma hora morta, em que a água dorme. Todas as águas dormem: no rio, na lagoa, no açude, no brejão, nos olhos d'água, nos grotões fundos E quem ficar acordado, na barranca, a noite inteira, há de ouvir a cachoeira parar a queda e o choro, que a água foi dormir... Águas claras, barrentas, sonolentas, todas vão cochilar. Dormem gotas, caudais, seivas das plantas, fios brancos, torrentes. O orvalho sonha nas placas da folhagem e adormece. Até a água fervida, nos copos de cabeceira dos agonizantes... Mas nem todas dormem, nessa hora de torpor líquido e inocente. Muitos hão de estar vigiando, e chorando, a noite toda, porque a água dos olhos nunca tem sono..." Guimarães Rosa