quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Meus senhores eu venho à praça - Vicente Rodrigues



Meus senhores eu venho à praça (aqui)
[moda]

Meus senhores eu venho à praça
Este meu corpo oferecer
Este meu corpo-carcaça
De se
comprar e vender

De se
comprar e vender
De
bem se negociar
No
negócio de render
Sem nele eu nada ganhar


[
cantiga]

É tempo de se ceifar
Trigos cevadas e fenos
Quemmais pelo meu suor
Quemmais oumenos

Poema de Vicente Rodrigues [1910/1982]

terça-feira, 30 de outubro de 2012

GRITO HUMANO




Grito humano

Nós, os amordaçados, estamos envolvidos
Por demónios, e brutalmente oprimidos.
Maldito seja eu, que tive a minha cruz
Antes do mundo estar banhado em luz.


Albert Ehrenstein
(1916) (tradução de João Barrento)

domingo, 28 de outubro de 2012

Te Recuerdo Amanda - Victor Jara

(aqui)

Te Recuerdo Amanda

Te recuerdo Amanda
la calle mojada
corriendo a la fabrica donde trabajaba Manuel

La sonrisa ancha, la lluvia en el pelo,
no importaba
nada
ibas a encontrarte con el,
con el, con el, con el, con el

Son cinco minutos
la
vida es eterna,
en
cinco minutos
Suena la sirena,
de vuelta al trabajo
y
tu caminando lo iluminas todo
los
cinco minutos
te hacen florecer
Te recuerdo Amanda
la calle mojada
corriendo a la fabrica
donde trabajaba Manuel

La sonrisa ancha
la lluvia en el
pelo
no importaba
nada,
ibas a encontrarte con el,
con el, con el, con el, con el

Que partió a la sierra
que nunca hizo daño,
que partió a la sierra
y en
cinco minutos,
quedó destrozado

Suenan las sirenas
de vuelta al trabajo
muchos no volvieron
tampoco Manuel

Te recuerdo Amanda,
la calle mojada
corriendo a la
fábrica,
donde trabajaba Manuel.


Victor Jara

sábado, 27 de outubro de 2012

CLASE MEDIA - Daniel Cezare

CLASE MEDIA:
Medio rica,
medio
culta,
entre lo que cree ser y lo que es,
media
una distancia medio grande
Desde el medio
mira medio mal
a los
negritos
a los
ricos
a los sabios
a los locos
a los
pobres
Si escucha a un Hitler
medio le gusta
y
si habla un Che
medio también

En el medio de la nada
medio duda
como todo le atrae
(a medias)
analiza
hasta la mitad
todos los hechos
y (medio confundida)
sale a la calle con media cacerola
entonces medio llega a
importar
a los
que mandan
(medio en las
sombras)
a veces, sólo a veces, se da cuenta
(medio
tarde)
de
que la usaron de peón
en un ajedrez
que no comprende
y
que nunca la convierte en Reina
Así, medio rabiosa
se
lamenta
(a medias)
de
ser el medio del que comen otros
a quienes no alcanza
a
entender
ni medio

Daniel Cezare


quinta-feira, 25 de outubro de 2012

NOTÍCIAS DO BLOQUEIO



 Egito Gonçalves
(1920-2001)  

NOTÍCIAS DO BLOQUEIO 

Aproveito a tua neutralidade,
o teu rosto oval, a tua beleza clara,
para enviar notícias do bloqueio
aos que no continente esperam ansiosos.

Tu lhes dirás do coração o que sofremos
nos dias que embranquecem os cabelos...
tu lhes dirás a comoção e as palavras
que prendemos - contrabando - aos teus cabelos.

Tu lhes dirás o nosso ódio construído,
sustentando a defesa à nossa volta
- único acolchoado para a noite
florescida de fome e de tristezas.

Tua neutralidade passará
por sobre a barreira alfandegária
e a tua mala levará fotografias,
um mapa, duas cartas, uma lágrima...

Dirás como trabalhamos em silêncio,
como comemos silêncio, bebemos
silêncio, nadamos e morremos
feridos de silêncio duro e violento.

Vai pois e noticia com um archote
aos que encontrares de fora das muralhas
o mundo em que nos vemos, poesia
massacrada e medos à ilharga.

Vai pois e conta nos jornais diários
ou escreve com ácido nas paredes
o que viste, o que sabes, o que eu disse
entre dois bombardeamentos esperados.

Mas diz-lhes que se mantém indevassável
o segredo das torres que nos erguem,
e suspensas delas uma flor em lume
grita o seu nome incandescente e puro.

Diz-lhes que se resiste na cidade
desfigurada por feridas de granadas
e enquanto a água e os víveres escasseiam
aumenta a raiva
 e a esperança reproduz-se.


quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Ter razão às quintas-feiras



Ter razão às quintas-feiras

Se vossas
excelências não se importam
excelentíssimas
entidades superiores
eu hoje
que é quinta-feira
gostava de
ter razão.
Sei
perfeitamente que morrerei um dia
e
que na minha rua o vão saber.
Por isso se vossas excelências realmente não se importam
eu hoje, que é quinta-feira
precisava
muito de ter razão.
De
sete dias na semana pedir um para viver
não é muito, convenhamos.
A
não ser.....
Ah! É
verdade, a não ser....
Eduardo Valente da Fonseca

terça-feira, 23 de outubro de 2012

NÃO HÁ VAGAS - Ferreira Gullar



Ferreira Gullar


NÃOVAGAS

O
preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do
arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a
luz o telefone
a
sonegação
do
leite
da
carne
do
açúcar
do
pão

O
funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o
operário
que esmerila seu dia de aço
e
carvão
nas
oficinas escuras

-
porque o poema, senhores,
está fechado:
"
nãovagas"

cabe no poema
o
homem sem estômago
a
mulher de nuvens
a
fruta sem preço

O
poema, senhores,
não fede
nem cheira

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

ACORDAR - Fernando Pessoa




Acordar

Acordar da cidade de Lisboa, mais tarde do que as outras,
Acordar da Rua do Ouro,
Acordar do Rocio, às portas dos cafés,
Acordar
E no meio de tudo a gare, que nunca dorme,
Como um coração que tem que pulsar através da vigília e do sono.
Toda a manhã que raia, raia sempre no mesmo lugar,
Nãomanhãs sobre cidades, ou manhãs sobre o campo.
À hora em que o dia raia, em que a luz estremece a erguer-se
Todos os lugares são o mesmo lugar, todas as terras são a mesma,
E é eterna e de todos os lugares a frescura que sobe por tudo.
Uma espiritualidade feita com a nossa própria carne,
Um alívio de viver de que o nosso corpo partilha,
Um entusiasmo por o dia que vai vir, uma alegria por o que pode acontecer de bom,
São os sentimentos que nascem de estar olhando para a madrugada,
Seja ela a leve senhora dos cumes dos montes,
Seja ela a invasora lenta das ruas das cidades que vão leste-oeste,
Seja
A mulher que chora baixinho
Entre o ruído da multidão em vivas...
O vendedor de ruas, que tem um pregão esquisito,
Cheio de individualidade para quem repara...
O arcanjo isolado, escultura numa catedral,
Siringe fugindo aos braços estendidos de Pã,
Tudo isto tende para o mesmo centro,
Busca encontrar-se e fundir-se
Na minha alma.
Eu adoro todas as coisas
E o meu coração é um albergue aberto toda a noite.
Tenho pela vida um interesse ávido
Que busca compreendê-la sentindo-a muito.
Amo tudo, animo tudo, empresto humanidade a tudo,
Aos homens e às pedras, às almas e às máquinas,
Para aumentar com isso a minha personalidade.
Pertenço a tudo para pertencer cada vez mais a mim próprio
E a minha ambição era trazer o universo ao colo
Como uma criança a quem a ama beija.
Eu amo todas as coisas, umas mais do que as outras,
Não nenhuma mais do que outra, mas sempre mais as que estou vendo
Do que as que vi ou verei.
Nada para mim é tão belo como o movimento e as sensações.
A vida é uma grande feira e tudo são barracas e saltimbancos.
Penso nisto, enterneço-me mas não sossego nunca.
Dá-me lírios, lírios
E rosas também.
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também,
Crisântemos, dálias,
Violetas, e os girassóis
Acima de todas as flores...
Deita-me as mancheias,
Por cima da alma,
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também...
Meu coração chora
Na sombra dos parques,
Não tem quem o console
Verdadeiramente,
Exceto a própria sombra dos parques
Entrando-me na alma,
Através do pranto.
Dá-me rosas, rosas,
E llrios também...
Minha dor é velha
Como um frasco de essência cheio de .
Minha dor é inútil
Como uma gaiola numa terra onde nãoaves,
E minha dor é silenciosa e triste
Como a parte da praia onde o mar não chega.
Chego às janelas
Dos palác ios arruinados
E cismo de dentro para fora
Para me consolar do presente.
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também...
Mas por mais rosas e lírios que me dês,
Eu nunca acharei que a vida é bastante.
Faltar-me-á sempre qualquer coisa,
Sobrar-me-á sempre de que desejar,
Como um palco deserto.
Por isso, não te importes com o que eu penso,
E muito embora o que eu te peça
Te pareça que não quer dizer nada,
Minha pobre criança tísica,
Dá-me das tuas rosas e dos teus lírios,
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também

FERNANDO PESSOA