Poema quase triste
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Os homens passam sem darem por nada carregados assim como eles vão com suas sombras a ganharem gibas, com os seus olhos a ficarem baços, cheios de presbitia e astigmáticos. Não lhes importa que nos frutos estejam confissões de poetas e de heróis. Os homens passam e não vêem nada, olham apenas para as suas vidas, para a filha doente ou para os filhos mortos. Não se apercebem das árvores e das rochas, sangue e nervos da terra. Seguem tristes e com os seus olhares voltados para dentro, para os seus crimes ou para os seus sonhos. Não param a escutar o coração da terra que bate, tranquilo, sob o chão. Tristemente aguardam os eléctricos que os hão-de levar a suas casas de paredes forradas pelos retratos dos fantasmas antigos e até próximos. É sem amor que trincam os frutos coloridos no sangue de todos os mortos e nem pensam que a terra se abrirá a seus corpos alheios, certo dia. Procuram suas chaves e, de cabeça baixa, penetram em casa, sentam-se à mesa e choram com suas mulheres, livros, diários íntimos, mas não falam sequer à Natureza que lhes oferece, em vão, todos os seus segredos e mistérios. Deitam-se sonolentos, fecham a luz e dão-se aos pesadelos ou aos sonhos de quando eram meninos. . . Embriagam-se ou matam-se e entregam-se aos vícios ou às lágrimas. . . Tristes os homens passam sem verem que a terra lhes oferece juntamente com frutos e canções.
António Rebordão Navarro A Condição Reflexa Poemas (1952 - 1982) Imprensa Nacional Casa da Moeda |
sábado, 30 de novembro de 2013
Poema quase triste
quinta-feira, 28 de novembro de 2013
DEFESA DA ALEGRIA - MÁRIO BENEDETTI
DEFESA DA ALEGRIA
Defender a alegria como uma trincheira
defendê-la do escândalo e da rotina
da miséria e dos miseráveis
das ausências transitórias
e das definitivas
Defender a alegria como um princípio
defendê-la da surpresa e dos pesadelos
dos neutros e dos neutrões
das doces infâmias
e dos graves diagnósticos
Defender a alegria com uma bandeira
defendê-la do raio e da melancolia
dos ingénuos e dos canalhas
da retórica e das paradas cardíacas
das endemias e das academias
Defender a alegria como um destino
defendê-la do fogo e dos bombeiros
dos suicidas e dos homicidas
das férias e do fardo
da obrigação de estarmos alegres
Defender a alegria como uma certeza
defendê-la do óxido e da sujeira
da famosa ilusão do tempo
do relento e do oportunismo
dos proxenetas do riso
Defender a alegria como um direito
defendê-la de deus e do inverno
das maiúsculas e da morte
dos sobrenomes e dos lamentos
do azar
defendê-la do escândalo e da rotina
da miséria e dos miseráveis
das ausências transitórias
e das definitivas
Defender a alegria como um princípio
defendê-la da surpresa e dos pesadelos
dos neutros e dos neutrões
das doces infâmias
e dos graves diagnósticos
Defender a alegria com uma bandeira
defendê-la do raio e da melancolia
dos ingénuos e dos canalhas
da retórica e das paradas cardíacas
das endemias e das academias
Defender a alegria como um destino
defendê-la do fogo e dos bombeiros
dos suicidas e dos homicidas
das férias e do fardo
da obrigação de estarmos alegres
Defender a alegria como uma certeza
defendê-la do óxido e da sujeira
da famosa ilusão do tempo
do relento e do oportunismo
dos proxenetas do riso
Defender a alegria como um direito
defendê-la de deus e do inverno
das maiúsculas e da morte
dos sobrenomes e dos lamentos
do azar
e também da alegria.
MARIO BENEDETTTI
Defensa de la alegría
Defender la alegría como una trinchera
defenderla del escándalo y la rutina
de la miseria y los miserables
de las ausencias transitorias
y las definitivas
defender la alegría como un principio
defenderla del pasmo y las pesadillas
de los neutrales y de los neutrones
de las dulces infamias
y los graves diagnósticos
defender la alegría como una bandera
defenderla del rayo y la melancolía
de los ingenuos y de los canallas
de la retórica y los paros cardiacos
de las endemias y las academias
defender la alegría como un destino
defenderla del fuego y de los bomberos
de los suicidas y los homicidas
de las vacaciones y del agobio
de la obligación de estar alegres
defender la alegría como una certeza
defenderla del óxido y la roña
de la famosa pátina del tiempo
del relente y del oportunismo
de los proxenetas de la risa
defender la alegría como un derecho
defenderla de dios y del invierno
de las mayúsculas y de la muerte
de los apellidos y las lástimas
del azar
y también de la alegría.
defenderla del escándalo y la rutina
de la miseria y los miserables
de las ausencias transitorias
y las definitivas
defender la alegría como un principio
defenderla del pasmo y las pesadillas
de los neutrales y de los neutrones
de las dulces infamias
y los graves diagnósticos
defender la alegría como una bandera
defenderla del rayo y la melancolía
de los ingenuos y de los canallas
de la retórica y los paros cardiacos
de las endemias y las academias
defender la alegría como un destino
defenderla del fuego y de los bomberos
de los suicidas y los homicidas
de las vacaciones y del agobio
de la obligación de estar alegres
defender la alegría como una certeza
defenderla del óxido y la roña
de la famosa pátina del tiempo
del relente y del oportunismo
de los proxenetas de la risa
defender la alegría como un derecho
defenderla de dios y del invierno
de las mayúsculas y de la muerte
de los apellidos y las lástimas
del azar
y también de la alegría.
quarta-feira, 27 de novembro de 2013
Eduardo Valente da Fonseca
Ó vagarosa noite
Ó vagarosa noite a vir de manso
profunda e densa pela cidade toda.
A estas horas onde em outros lados
floresce amoroso o sol por sobre terras?
Ó alegria de me ser em tudo.
Ó humildes irmãos do grande mundo
deitados sobre o sonho como quem
aguarda o belo tempo de haver tudo!
Eduardo Valente da Fonseca
domingo, 24 de novembro de 2013
ESTE CAOS ORGANIZADO
ESTE CAOS ORGANIZADO
Este caos organizado que é o capitalismo,
esta triunfante infâmia,
este nojo dos nojos,
com a sua opulência agressiva
e os seus lacaios sem imaginação,
quando virá o grande vendaval que o varra,
para dar a todos conforme as suas necessidades,
e não a miséria repartida
pelas mãos parasitas e ávidas dos ricos?
Quando virá essa ofuscante claridade,
essa lúcida paz amassada de suor,
e de contentamentos para além
do agudo contentamento da alvorada?
Armindo Rodrigues
sábado, 23 de novembro de 2013
Elefante de Abril - Carlos Pinhão
Elefante de Abril
A Revolução
teve uma flor
o cravo.
Não teve um animal
e, como tal,
proponho o elefante
tão paciente e sofredor
durante tanto ano
mas quando a paciência se esgotou
foi coisa de se ver
violento
eficaz
empolgante.
Depois, voltou a ser
lento
bom rapaz
algo distante.
Mas, atenção
nunca se viu morrer
um elefante!
Carlos Pinhão
Bichos de Abril,
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