LENDO UMA REFERÊNCIA À MORTE DE
MANUEL DE CASTRO,
Manuel de Castro, 1934 - 12 de Setembro de 1971
Por acaso descubro que este jovem poeta
morreu. Jovem? Já não o seria,
mas é assim que o vejo daquele tempo
em que ele era já protestatário
e ser protestatário não era ainda maneira
de triunfar na vida. Não faço ideia alguma,
e nada importa, que terá escrito ou dito
de mim nestes anos de não saber mais dele.
Nem nada sei das voltas que lhe deu a vida.
Suponho que morreu de doença, de desordem,
miséria talvez, raivosa fúria dia a dia traída
mesmo na roda habitual à mesa de café,
onde um falso calor dar-lhe-ia sobrevida.
Tem sido sempre assim por estas décadas:
morrem os melhores sem bem realizar-se,
e sobra quem se realiza nos cadáveres
que vivos não salvou. E sobram, são os chefes,
têm corte, amantes que lhes pagam ou eles pagam,
e críticos de artigo semanal em coro de louvor.
E aqueles são quem morre – de tudo e de estar vivo,
e servirão de lacrimejo luso
até já nem valerem para ser lembrados
pelos que mereciam ser esquecidos.
E quem não esteja lá, se limpo de assassino,
só pode recordar os olhos do poeta,
a boca retorcida de amargura à espreita,
e os gestos sacudidos com que não falava
senão de alguma esperança e de poesia.
Jorge de Sena,
Conheço o sal… e outros poemas, 1974
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