domingo, 23 de novembro de 2014

Não gosto dos velhacos - ANDRÉI DEMENTIÉV



Não gosto dos velhacos

Não gosto dos velhacos.
Não sei dissimular.
Um tolo com elogios
não posso presentear.

Não me sei calar
quando ferve o coração.
Ofensas amargas
não troco por proveito.

Pode-se partir em duas
uma fatia de pão.
A metade da alma
não dou a ninguém.

Dar – mas tudo,
até ao fim, sem deixar nada.
Porque, tal como a vida,
a alma é indivisa.

Não gosto de velhacos.
Não sei dissimular.
O que penso de alguém
é para declarar.

Tudo posso repetir,
olhando bem de frente.
Mesmo que nem sempre
se trate de amigos…

Eu não tenho proteção contra a boçalidade.
E desta vez ela é mais forte.
Sinos cristalinos se quebraram –
apelos meus de bondade.

se ouve como na alma brinca
a tristeza do velho violino.
E a palavra escolhe para o lugar,
que os olvidos foram inesperados.

Eu não tenho proteção contra a boçalidade.
É pecado estar indefeso?
E de novo nas ondas do meu desgosto
o riso se engasgou.

Bem, mas a boçalidade de vez em quando esfrega as mãos.
Tudo entretanto lhe pega na mão.
Quantos mundos com isso perdeu!
nos unia a falta de tempo.

Eu não tenho proteção contra a boçalidade.
Que pena, que na minha alma
os sinos cristalinos se quebrassem.
Mas eu guardo-os para outras pessoas.

ANDRÉI DEMENTIÉV
(tradução diretamente do russo por Manuel de Seabra – Vértice, Março/Abril, 1979)

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