quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

“Calçada à portuguesa” - Armando Silva Carvalho

“Calçada à portuguesa”

O mar sai das mãos destes calceteiros
que logo de manhã se ajoelham na rua
a bater nos cubos de pedra
como se eles fossem pães de um tempo inacabado.
Sisudos e impacientes limpam o corpo negro
do pó branco do trabalho
e avançam lentamente aos pés
de quem anda a correr pelos próprios meios e mundos.
O mar não se devia perder em minúcias citadinas
de raças que tentam conviver na sobrevivência.
Mas o suor é uma água nostálgica
que envolve a carne frágil
das mulheres com seus carrinhos de compras
e as suas crianças de carrinho.
Água soberba e manchada de sexo.
Negro, negro sensual de mornas e coladeiras
não subas acima do passeio.
Não me invadas o corpo,
não me molhes as noites mal dormidas.
E o homem no chão afeiçoa a pequena pedra
ao mar seco e saudoso da sua transumância,
às entranhas da terra que não é a sua.
o coração simples lhe pede uma sede de água.
Ou de cerveja.

Armando Silva Carvalho

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