Couraçado Potemkine
Entre a
esquadra que aclama
o couraçado
passa.
Depois da
fila interminável que se alonga
sobre o
molhe recurvo na água parda,
depois do
carro de criança
descendo a
escadaria,
e da mulher
de lunetas que abre a boca em gritos mudos,
o couraçado
passa.
A caminho da
eternidade. Mas
foi isso há
muito tempo, no Mar Negro.
Nos cais do
mundo, olhando o horizonte,
as multidões
dispersas
esperam ver
surgir as chaminés antigas,
aquele bojo
de aço e ferro velho.
Como os
vermes na carne podre que
os
marinheiros não quiseram comer,
acotovelam-se
sórdidas na sua miséria,
esperando o
couraçado.
Uns morrem,
outros vendem-se,
outros
conformam-se e esquecem e outros são
assassinados,
torturados, presos.
Às vezes a
polícia passa entre as multidões,
e leva
alguns nos carros celulares.
Mas há
sempre outra gente olhando os longes, a ver se o
fumo sobe na
distância e vem
trazendo até
ao cais o couraçado.
Como ele
tarda. Como se demora.
A multidão
nem mesmo sonha já
que o
couraçado passe
entre a
esquadra que aclama.
Apenas, com
firmeza, com paciência, aguarda
que o
couraçado volte do cruzeiro,
venha
atracar no cais.
Mas mesmo
que ninguém o aguarde já,
o couraçado
há-de chegar. Não há
remédio,
fuga, rezas, esconjuros,
que possam
impedi-lo de atracar.
Há-de vir e
virá. Tenho a certeza
como de nada
mais. O couraçado
virá e
passará
entre a
esquadra que o aclama.
Partiu há
muito tempo. Era em Odessa,
no Mar
Negro. Deu a volta ao mundo.
O mundo é
vasto e vário e dividido, e os mares
são largos.
Fechem os
olhos,
cerrem
fileiras,
o couraçado
vem.
“Couraçado Potenkim”, Peregrinatio
ad Loca Infecta, Lisboa, Portugal, 1969; ed. ut. Poesia III,
Lisboa, Edições 70, 198
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