Cantiga de Maio
Da prisão negra em que estavas a
porta abriu-se p’ra rua. Já sem
algemas escravas, igual à cor que
sonhavas, vais vestida de estar nua.
Liberdade, liberdade,
tem cuidado que te matam.
Na rua passas cantando, e o
povo canta contigo. Por onde
tu vais passando mais gente se
vai juntando, porque o povo é
teu amigo.
Liberdade, liberdade,
tem cuidado que te matam.
Entre o povo que te aclama,
contente de poder ver-te, há gente
que por ti chama para arrastar-te na
lama em que outros irão prender-te.
Liberdade, liberdade,
tem cuidado que te matam.
Muitos correndo apressados
querem ter-te só p’ra si; e gritam
tão de esganados só por tachos
cobiçados, e não por amor de ti.
Liberdade, liberdade,
tem cuidado que te matam.
Na sombra dos seus salões de
mandar em companhias,
poderosos figurões
afiam já os facões
com que matar alegrias.
Liberdade, liberdade,
tem cuidado que te matam.
E além do mar oceano o maligno
grão poder já se apresta p’ra teu
dano, todo violência e engano,
para deitar-te a perder.
Liberdade, liberdade,
tem cuidado que te matam.
Com desordens, falsidade,
economia desfeita; com
calculada maldade, promessas de
felicidade e a miséria mais
estreita.
Liberdade, liberdade,
tem cuidado que te matam.
Que muito povo se assuste,
julgando que és culpada, eis o
terrível embuste por qualquer
preço que custe com que te
armam a cilada.
Liberdade, liberdade,
tem cuidado que te matam.
Tens de saber que o inimigo
quer matar-te à falsa-fé. Ah tem
cuidado contigo; quem te
respeita é um amigo, quem não
respeita não é.
Liberdade, liberdade,
tem cuidado que te matam.
Santa Bárbara, 4/6/1974
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