quinta-feira, 23 de junho de 2016

O céu das gruas - Fernando de Castro Branco

fernando de castro branco
(Miranda do Douro), 1959
o céu das gruas 

Lázaro Inocêncio do Nascimento,
manobrador de gruas na auto-estrada
transmontana sai do túnel do Marão
para a negra luz do desemprego
e das carências em família. Manobrou

com perícia a cegonha de ferro no céu
da montanha, dialogou com Deus
e com os pássaros sociáveis; olhou
para o fundo de si e concluiu que na terra
ou nas nuvens a vida é sempre abismo

onde a altura é uma questão menor. Hoje
desceu de vez as escalas íngremes,
findou a concessão do troço e do capital,
agora está entregue a si que o mesmo é dizer
ao destino de ninguém. Lázaro

Nascimento diz que com esta descida
à terra morreu um pouco, e assim à terra
descerá definitivamente em tempo certo
sem estranheza de maior. Não carece
pois o Mestre o ressuscitar por mais

que alastre o pranto das irmãs
e os direitos da quadra. Na ferrugem
definitiva dos materiais o sinal perene
de que não vale a pena o esforço
de retirar os panos uma e outra vez.
fernando de castro branco
Fernando de Castro Branco (Duas Igrejas, 1959). Professor, poeta e ensaísta. Publicou Poética do Sensível em Albano Martins (2004), Alquimia das Constelações (2005), O Nome dos Mortos (2006), Biografia das Sombras (2006), Estrelas Mínimas (2008), Plantas Hidropónicas (2008), A Carvão – Poesia Reunida (2009). Também publicou poemas e ensaios em revistas literárias e antologias temáticas dentro e fora do país.

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