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"os homens esquecidos de deus" - ALBERT COSSERY
"GOSTARIA
QUE DEPOIS
DE ME LEREM, AS PESSOAS
NÃO FOSSEM TRABALHAR
NO DIA SEGUINTE"
"os homens
esquecidos de deus"
(...)
— A festa não
é para nós, meu filho —,
disse ele.
— Nós somos pobres.
O garoto chorou, chorou amargamente.
— Não me
interessa; quero um carneiro.
— Somos pobres —, repetiu Chaktour.
— Somos pobres porquê?
—, perguntou a criança.
O homem reflectiu antes
de responder. Depois
de tantos anos
de indigência tenaz,
ele próprio não se lembrava porque
eram pobres. Era
uma coisa que
vinha de muito
longe, de tão
longe que
Chaktour já não
se lembrava como tinha
começado. Dizia para si
próprio que a
miséria que
se prolongava para além
dos homens. Apanhara-o desde a nascença
e ele logo
lhe pertencera, sem
a menor resistência,
visto que
lhe estava destinada muito antes de ter nascido, ainda
na barriga da mãe.
A criança estava sempre
à espera que lhe explicassem porque
eram pobres. Deixara de chorar,
mas ainda
havia muitas lágrimas dentro de si,
todas as lágrimas das crianças miseráveis
cujos sonhos
são traídos pela
vida.
— Escuta, pequeno,
vai-te sentar num canto
e deixa-me trabalhar. Se somos pobres
é porque Deus
nos esqueceu, meu
filho.
— Deus! —, exclamou a criança. — E quando
se lembrará ele de nós,
meu pai?
— Quando Deus
esquece alguém, é para
sempre.
(...)
Albert Cossery, in "os homens
esquecidos de deus" antígona (2002)
tradução de Ernesto Sampaio [les hommes oubliés de dieu]
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