Com que
então libertos, hein?
Com que então libertos, hein? Falemos de política,
discutamos de política, escrevamos de política,
vivamos quotidianamente o regressar da política à
posse de cada um,
essa coisa de cada um que era tratada como propriedade
do paizinho.
Tenhamos sempre presente que, em política, os
paizinhos
tendem sempre a durar quase cinquenta anos pelo menos.
E aprendamos que, em política, a arte maior é a de
exigir a lua
não para tê-la ou ficar numa fúria por não tê-la,
mas como ponto de partida para ganhar-se, do
compromisso,
uma boa lâmpada de sala, que ilumine a todos.
Com o país dividido quase meio século entre os donos
da verdade e do poder,
para um lado, os réprobos para o outro só porque não
aceitavam que
não houvesse liberdade, e o povo todo no meio
abandonado à sua solidão
silenciosa, sem poder falar nem poder ouvir mais que
discursos de salamaleque,
há que aprender, re-aprender a falar política e a
ouvir política.
Não apenas pelo prazer tão grande de poder falar livremente
e poder ouvir em liberdade o que os outros nos dizem,
mas para o trabalho mais duro e mais difícil de —
parece incrível —
refazer Portugal sem que se dissipe ou se perca uma
parcela só
da energia represa há tanto tempo. Porque é belo e é
magnífico
o entusiasmo e é sinal esplêndido de estar viva uma
nação inteira.
Mas a vida não é só correria e gritos de entusiasmo, é
também
o desafio terrível do ter-se de repente nas mãos
os destinos de uma pátria e de um povo, suspensos
sobre o abismo
em que se afundam os povos e as nações que deixaram
fugir
a hora miraculosa que uma revolução lhes marcou. Há
que caminhar
com cuidado, como quem leva ao colo uma criança:
uma pátria que renasce é como uma criança dormindo,
para quem preparamos tudo, sonhamos tudo, fazemos
tudo,
até que ela possa em segurança ensaiar os primeiros
passos.
De todo o coração, gritemos o nosso júbilo, aclamemos
gratos
os que o fizeram possível. Mas, com toda a
inteligência
que se deve exigir do amadurecimento doloroso desta
liberdade
tão longamente esperada e desejada, trabalhemos
cautelosamente,
politicamente, para conduzir a porto de salvamento
esta pátria
por entre a floresta de armas e de interesses medonhos
que, de todos os cantos do mundo, nos espreitam e a
ela.
SB, 2/5/1974
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