Em Paz
Perto do meu ocaso, eu te bendigo, ó Vida,
porque nunca me deste esperança falida
nem trabalhos injustos, nem pena imerecida.
Porque vejo no fim de meu rude caminho
que fui eu o arquiteto de meu próprio destino;
que se os méis ou o fel eu extraí das cousas
foi que nelas pus mel ou biles amargosas:
quando plantei roseiras, não colhi senão rosas.
Às minhas louçanias vai suceder o inverno;
mas tu não me disseste que maio fosse eterno!
Julguei sem fim as longas noites de minhas penas;
mas não me prometeste noites boas apenas,
e, afinal, tive algumas santamente serenas…
Amei e fui amado, o sol beijou-me a face.
Vida, nada me deves! Vida, estamos em paz!
Amado Nervo
(Tradução de Anderson Braga Horta)
En Paz
Muy cerca de mi ocaso, yo te bendigo, Vida,
porque nunca me diste ni esperanza fallida
ni trabajos injustos, ni pena inmerecida.
Porque veo al final de mi rudo camino
que yo fuí el arquiteto de mi propio destino;
que si extraje las mieles o la hiel de las cosas
fué porque en ellas puse hiel o mieles sabrosas:
cuando planté rosales, coseché siempre rosas.
Cierto, a mis lozanías va a seguir el invierno;
¡mas tu no me dijiste que Mayo fuese eterno!
…Hallé sin duda largas las noches de mis penas;
mas no me prometiste tú solo noches buenas;
y en cambio tuve algunas santamente serenas…
Amé, fuí amado, el sol acarició mi faz.
¡Vida, nada me debes! ¡Vida, estamos en paz!
Amado Nervo
EM PAZ
(2.ª versão)
Perto do meu ocaso, eu
te bendigo, ó Vida,
porque nunca me deste
esperança falida
nem injusto trabalho
ou pena imerecida;
porque, chegando ao
fim de minha rude estrada,
vejo que arquitetei
minha própria jornada;
que se os méis ou o
fel eu extraí das cousas
foi que nelas pus mel
ou biles amargosas:
se roseiras plantei,
não colhi senão rosas.
Às minhas florações
vem já render o inverno;
mas não te ouvi dizer
que maio fosse eterno!
Longas noites velei em
meio a acerbas penas;
mas quem me prometeu
noites boas apenas?
E algumas tive, enfim,
santamente serenas...
Sorriu-me o sol, amei
e fui amado assaz.
Nada me deves, pois:
Vida, estamos em paz!
EM PAZ
Já bem perto do
ocaso, eu te bendigo. Vida,
porque nunca me
deste esperança falida,
nem trabalhos
cruéis, nem pena imerecida.
Porque vejo, ao
final de meu rude caminho,
que fui o
construtor do meu próprio destino;
que, se extraí
o mel ou o fel das rosas,
foi porque
nelas pus ambas as coisas:
quando plantei
rosais, eu sempre colhi rosas.
Por certo ao
meu prazer se vai seguir o inverno;
não disseste jamais
que Maio fosse eterno.
Esperam-me,
decerto, as noites de agonia;
não prometeste
só vigílias de alegria,
e eu tive
noites perfumadas de poesia.
Amei e amado
fui. O sonho tem limites.
Nada me deves,
Vida. Ó Vida, estamos quites!
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