quinta-feira, 28 de novembro de 2019

A rosa imaginária - António Mendes Cardoso



A rosa imaginária

É preciso que fique escrito
antes que a tua baba peçonhenta
nos corrompa a palavra
de ti, só se ouvirá no fim da noite
o ranger de dentes
que teu ódio acalenta
inútil e partido!

Sabes Velho Histérico
o que é Ter 29 anos, e sol
e vida?!
Acordar todas as manhãs
com a rosa imaginária
que não dou ao meu amor??

Sabes Velho Histérico
o que é Ter 29 anos, e sol
e vida?
nessa catacumba
de esqueletos onde moras?!

Sabes Velho Histérico
onde está o ventre de mundo
que seria um dia, o meu?!
Aonde está a criança
que não nasceu
nesse ventre de mundo
que seria, um dia, o meu??

Berra Velho Histérico
ainda
a tua ordem
enquanto não chega o vento!

Berra Velho Histérico
na rádio e no jornal
ainda
a tua ordem
enquanto montado no vento
não chega o fim da noite!

… e a rosa imaginária
que vou dar ao meu amor…

 

(TARRAFAL)
de
1961 a 1974 


(Poema frontispício para museu)



1 comentário:

Fernando Ribeiro disse...

Este poeta angolano podia chama-se António Mendes Cardoso de seu nome completo, mas era como António Cardoso, apenas, que ele se assinava. Ouvi dizer há muitos anos, não sei a quem (terá sido a Luandino Vieira?), que ele foi várias vezes torturado selvaticamente e encarcerado na "frigideira" do Campo de Concentração do Tarrafal, sem nunca vergar nem ceder, nem um milímetro. O mesmo se terá passado com António Jacinto, outro poeta angolano branco que também foi "hóspede" do Tarrafal. A seguir à sua libertação e antes da proclamação da independência de Angola, António Cardoso fez parte da redação da revista "Notícia", de Luanda.