sexta-feira, 29 de setembro de 2023

DAQUI DESTE DESERTO EM QUE PERSISTO - António Ramos Rosa

 

“Que tenho eu para dizer
neste país
se um homem levanta os braços
e grita com os braços
o que mais oculto havia
na secreta ternura de uma boca
que era a única boca do seu povo
Que posso eu fazer senão
daqui
deste deserto
em que persisto
chamar-lhe camarada”

DAQUI DESTE DESERTO EM QUE PERSISTO


Nenhum ruído no branco.
Nesta mesa onde cavo e escavo
rodeado de sombras
sobre o branco
abismo
desta página
em busca de uma palavra

escrevo cavo e escavo a cave desta página
atiro o branco sobre o branco
em busca de um rosto
ou folha
ou de um corpo intacto
a figura de um grito
ou às vezes simplesmente uma pedra

busco no branco o nome do grito
o grito do nome
busco
com uma fúria sedenta
a palavra que seja
a água do corpo a corpo
intacto no silêncio do seu grito
ressurgindo do abismo da sede
com a boca de pedra
com os dentes das letras
com o furor dos punhos
nas pedras

Sou um trabalhador pobre
que escreve palavras pobres quase nulas
às vezes só em busca de uma pedra
uma palavra
violenta e fresca
um encontro talvez com o ínfimo
a orquestra ao rés da erva
um insecto estridente
o nome branco à beira da água
o instante da luz num espaço aberto

Pus de parte as palavras gloriosas
na esperança de encontrar um dia
o diadema no abismo
a transformação do grito
num corpo
descoberto na página do vento
que sopra deste buraco
desta cinzenta ferida
no deserto.

Aqui as minhas palavras são frias
têm o frio da página
e da noite
de todas as sombras que me envolvem
são palavras
são palavras frágeis como insectos
como pulsos
e acumulo pedras sobre pedras
cavo e escavo a página deserta
para encontrar um corpo
entre a vida e a morte
entre o silêncio e o grito

Que tenho eu para dizer mais do que isto
sempre isto desta maneira ou doutra
que procuro eu senão falar
desta busca vã
de um espaço em que respira
a boca de mil bocas
do corpo único no abismo branco

sou um trabalhador pobre
nesta mina branca
onde todas as palavras estão ressequidas
pelo ardor do deserto
pelo frio do abismo total

Que tenho eu para dizer
neste país
se um homem levanta os braços
e grita com os braços
o que mais oculto havia
na secreta ternura de uma boca
que era a única boca do seu povo
Que posso eu fazer senão
daqui
deste deserto
em que persisto
chamar-lhe camarada

António Ramos Rosa

(poema dedicado a Vasco Gonçalves)

quarta-feira, 27 de setembro de 2023

WILHELM REICH - Mário-Henrique Leiria

WILHELM REICH

Passando como a faca profissional
cortante e exacta
através da porta da noite rigorosa
riscando a pedra clara
com a última fúria armada de granada
solitário como a árvore
na véspera do funeral familiar
dirigindo a máquina
de esfolar fascismos ditos socialistas
organizados em comités de salvação
fazendo a ligação feroz
entre a disciplina proletária
do sexo atento
e a rapidez agressiva de viver
por sim

acabaste extremamente lúcido
no fracasso de inventar
a liberdade certa.

Mário-Henrique Leiria

segunda-feira, 25 de setembro de 2023

O sul também existe - Mario Benedetti

 

O sul também existe

Com seu cerimonial de aço
suas grandes chaminés
seus sábios clandestinos
seus discursos grandiloquentes
seus céus de néon
suas vendas natalinas
seu culto ao deus pai
e aos galardões
com suas chaves do reino
o norte é quem manda

Mas aqui em baixo, em baixo
a fome disponível
colhe o fruto amargo
do que outros decidem
enquanto o tempo passa
e passam os desfiles
e se fazem outras coisas
que o norte não proíbe
com a sua firme esperança
o sul também existe

Com seus predicadores
seus gases venenosos
sua escola de Chicago
seus donos da terra
seus trapos de luxo
e sua pobre ossada
seus gastos com defesa
sua gesta invasora
o norte é quem manda

Mas aqui em baixo, em baixo
cada um em seu esconderijo
existem homens e mulheres
que sabem a que se agarrar
aproveitando o sol
e também o eclipse
afastando o inútil
e usando o que serve
com sua fé veterana
o sul também existe

Com seu chifre francês
e sua academia sueca
seu molho americano
e suas chaves inglesas
sua guerra de galáxias
e a sua sanha opulenta
com todos os seus louros
o norte é quem manda

Mas aqui em baixo, em baixo
perto das raízes
é onde a memória
nenhuma lembrança omite
e há quem se recuse a morrer
e há quem se esqueça de viver
e assim entre todos se consegue
o que era um impossível
que todo o mundo saiba
que o sul também existe


Mario Benedetti

“El sur también existe”, de Mario Benedetti

Con su ritual de acero
sus grandes chimeneas
sus sabios clandestinos
su canto de sirenas
sus cielos de neón
sus ventanas navideñas
su culto a dios padre
y de las charreteras
con sus llaves del reino
el norte es el que ordena

pero aquí abajo abajo
el hambre disponible
recorre el fruto amargo
de lo que otros deciden
mientras que el tiempo pasa
y pasan los desfiles
y se hacen otras cosas
que el norte no prohíbe
con su esperanza dura
el sur también existe

con sus predicadores
sus gases que envenenan
su escuela de chicago
sus dueños de la tierra
con sus trapos de lujo
y su pobre osamenta
sus defensas gastadas
sus gastos de defensa
son su gesta invasora
el norte es el que ordena

pero aquí abajo abajo
cada uno en su escondite
hay hombres y mujeres
que saben a qué asirse
aprovechando el sol
y también los eclipses
apartando lo inútil
y usando lo que sirve
con su fe veterana
el sur también existe

con su corno francés
y su academia sueca
su salsa americana
y sus llaves inglesas
con todos sus misiles
y sus enciclopedias
su guerra de galaxias
y su saña opulenta
con todos sus laureles
el norte es el que ordena

pero aquí abajo abajo
cerca de las raíces
es donde la memoria
ningún recuerdo omite
y hay quienes se desmueren
y hay quienes se desviven
y así entre todos logran
lo que era un imposible
que todo el mundo sepa
que el sur también existe.

Mario Benedetti

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

A história foi enormemente exagerada - Margarida Vale de Gato


A história foi enormemente exagerada 


Cravos, sim, cravos que pedia,

de Abril sorridente acrescentei,

a 1ª florista, à saída da praça,

de esquina (que também a poesia

ensina a auto-cartografia

e a hetero-história), atrás

de postiça bonomia só parecia

mal compreender, são

caros nesta altura, cravos

não.

 

Cravos sim, cravos que queria,

de Abril reincidente me movia:

a 2ª florista, recolhida

do largo, no alto da colina,

volvidos oito lustros menos

um ano da revolução (a poesia

efetua também cálculo mental

e paleografia), furtou olhos

 com misto se possível de enfado

e alarme – nunca se sabe que fará

uma democrática defraudada –

cravos desculpe não houve ocasião

dos normais costumo ter, para

os arranjos (há neste ramo

profissionais assim, com específica

convicção de que flores

são um género de robbialac

de revestir interiores),

encarnados, cravos,

não.

 

Cravos, sim, cravos repetia,

que já estridente Abril me distendia

de pesar o coração.

A 3ª florista, um quarteirão

abaixo do liceu da minha filha

(mas será, como em todos, neste caso

absolutamente circunstancial

a associação entre poesia e real –

e sempre outra a verdade desta),

tinha ar que só vendia

artigos de luto, e de todo o modo

nublosa igualmente se

descomprometia imodesta

o cravo é flor que não presta

quando se demora a vender

e agora ninguém nos quer

o negócio já só serve

quando se precisa,

não por celebração,

antes eram mãos cheias

mas os molhos vêm já

desfeitos, e pouco dá

um pé só, ou dois, cravos, raros,

não

 

(e eu então com os mesmos

49 anos de efeméride

a pensar se afinal foi tudo tanga

o cravo que enfiou a criança

na garganta da espingarda

como se fora ânfora

a pensar, eu sem especial

sentimento nacional,

neste país

errado, ou então

de mentira no passado

pois a ser verdade “o que se conta”,

traiçoeira wikipedia,

“foi uma florista de Lisboa que iniciou a distribuição

dos cravos vermelhos pelos populares que os ofereceram aos soldados”

como não despertaria o episódio

senão uma corrida aos cravos

com oferta de segunda dúzia pelas grandes superfícies

pelo menos um sentimento de classe

entre mercadores e povo,

empreendedores de flores?

decerto alguém exagerou descaradamente,

poderia lá haver em Portugal

uma revolução, poderia haver

soldo para soldados

ou saída para esta soda ou tão imaginativo molde

para portugal nas lonas, portugal avaro e curvado

a esquecer o mar, onde perversamente

a palavra solidário mais depressa se associa a gíria economicista

e a palavra estado só a isto que nos vai na alma

e até capitalista deixou de ter... envolvência

portugal onde murcham indiscriminadamente

quaisquer insurgências ou espontos de alegria

emigram cérebros, morrem os outros todos,

portugal que inventou a lobotomia, portugal só bom

para jarras de talhão)

esperança, memória, praia, cravos,

não

 

Cravos, sim, cravos insisti

de Abril reticente perseguia

mesmo se, caída a face,

vestira eu já também o nacional

disfarce da bruma

e seu especioso desenvolvimento

lírico-pastoso, o Queixume;

Lá dentro, entra, e é bem

feita se só agora vieste aqui

o 4º florista, R. Forno do Tijolo, 28,

chama-se Fox Flor, e enche o facebook

com festivas pétalas e vivos estames

(por que não há-de veicular o verso

também a discriminação positiva

no seio dos engenhos coetâneos?)

o que não é especialmente ativista

mas refresca

e embora confessando que a lembrança

fora mais casual que premeditada,

pois afinal só sabe um pouco melhor

a quantas anda, e está lá para vender

e eu para ser cliente

acolhe-me com o consolo

que sinto no seu horto

acabrunhada por voltar pouco

e, magoada e leda, ao fim dos versos

e da revolução, colho e pago

os oito pés

e me despeço, cravos,

sim,

de finalmente Abril, mesmo se pouca a força

e se é capaz do que se esquece.

 Margarida Vale de Gato

(inédito)

Margarida Vale de Gato.

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

O pranto da escavadora (1 e 2) - Pier Paolo Pasolini

 

O pranto da escavadora

I

Só o amar conta, só o conhecer
é que conta; não o ter amado,
não o ter conhecido. Dá angústia

viver de um consumado
amor. A alma não cresce mais.
E eis que no calor encantado

da noite que cheia cá em baixo
entre as curvas do rio e as dormentes
visões da cidade espalhada de luzes,

ecoa ainda mil vidas,
desamor, mistério, e miséria
dos sentidos, tornam-me inimigas

as formas do mundo, que até ontem
eram a minha razão de existir.
Aborrecido, cansado, recolhido, por obscuros

largos de mercados, tristes
ruas em volta do porto fluvial,
entre as barracas e os armazéns mistos

até aos últimos prados. Ali é mortal
o silêncio: mas abaixo, na Avenida Marconi,
na estação de Trastevere, parece

todavia doce a tarde. Regressam aos seus bairros,
aos seus arrabaldes, nas suas motoretas -
de fato de treino ou de fato-macaco,

mas arrebatados por um ardor festivo -
os jovens, com os amigos nos assentos,
risonhos, emporcalhados. Os últimos fregueses

chalreiam de pé em alta
voz na noite, aqui e ali, nas mesitas
dos bares alumiados e semi-vazios.

Estupenda e mísera cidade,
que me ensinaste o que alegres e ferozes
aprendem os homens ainda crianças,

as coisas pequenas nas quais a grandeza
da vida em paz se descobre, como
ir rijos e preparados para o tropel

das ruas, abordar outro homem
sem tremer, não envergonhar-se
de olhar para o dinheiro contado

pelos preguiçosos dedos do estafeta
que sua contra as fachadas com pressa
numa cor eterna de verão;

a defender-me, a ofender, a ter
o mundo diante dos meus olhos e não
apenas no coração, a compreender

que poucos conhecem as paixões
pelas quais vivi:
não me são fraternos e, ao mesmo tempo, são

irmãos precisamente no ter
paixões de homens
que alegres, inconscientes, inteiros

vivem de experiências
alheias a mim. Estupenda e mísera
cidade que me obrigaste a 

provar daquela vida
ignota: até me fizeste descobrir
o que, em cada um, era o mundo.

Uma lua moribunda no silêncio,
que dela vive, empalidece entre violentos
ardores, que miseravelmente na terra

muda de vida, em belas alamedas, velhas
ruelas, que sem dar luz deslumbram
e, em todo o mundo, se reflectem

lá em cima, numa morna nebulosidade.
É a mais bela noite do Verão.
O Trastevere, com um cheiro a palha

de velhos estábulos, de tascas
vazias, ainda não adormeceu.
As esquinas escuras, as paredes plácidas

ressoam de ruídos encantados.
Homens e rapazes voltam para casa
- sob grinaldas de luzes agora sol -

rumo às suas vielas, que entopem
o escuro e o lixo, com aquele passo brando
do qual tanto a alma era invadida

quando amava verdadeiramente, quando
verdadeiramente queria compreender.
E, como então, desaparecem cantando.

II

Pobre como um gato do Coliseu
vivia num bairro todo de cal
poeirento, longe da cidade

e do campo, apertado dia após dia
num autocarro sufocante:
a cada ida, a cada volta

era um calvário de suor e ansiedade.
Longas caminhadas numa caligem cálida,
longos crepúsculos diante das cartas

amontoadas sobre a mesa, entre ruas de lodo,
muretes, casinhas banhadas de cal
e sem postigos, e cortinas como portas...

Passavam o azeitoneiro e o trapeiro,
vindos de outro bairro qualquer,
com a sua empoeirada mercadoria que parecia

fruto de furto, e com uma cara cruel
de jovens envelhecidos entre os vícios
de quem tem uma dura e esfomeada mãe.

Renovado pelo mundo novo,
livre – uma labareda, um bafo
que não sei explicar, na realidade

que humilde e suja, confusa e imensa,
formigava na periferia meridional,
dava um sentido de piedade serena.

Uma alma em mim, que não era só minha,
uma alma pequena naquele mundo sem fronteiras,
crescia, nutrida pela alegria

de quem amava, apesar de não ser amado.
E tudo se iluminava com este amor.
Talvez de rapazote, heroicamente,

e contudo maturado pela experiência
que nascia ante os pés da história.
Estava no centro do mundo, naquele mundo

de arrabaldes tristes, beduínos,
de amarelas pradarias varridas
sempre por um vento sem paz,

viesse do mar quente de Fiumicino,
ou dos campos, onde se perdia
a cidade entre os tugúrios; naquele mundo

que podia somente dominar -
espectro quadrado amarelado
na bruma amarelada,

furada por mil filas idênticas
de janelas gradeadas - a Penitenciária
entre velhos campos e casarios sopitados.

A papelada e o pó, que cego
o vento arrastava para cá e para lá,
as pobres vozes sem eco

das mulherzinhas vindas dos montes
Sabinos, do Adriático, e aqui
acampadas, agora com chusmas

de rapazitos duros e mirrados
aos berros nas suas camisolas esfarrapadas,
nos calções cinzentos e queimados,

o sol africano, as chuvas violentas
que tornavam as ruas em torrentes
de lodo, os autocarros no terminal

afundados no seu canto
entre uma última franja de relva branca
e alguma pilha de lixo ácida e ardente...

era o centro do mundo, como estava
no centro da história o meu amor
por ele: e nesta

maturidade que por ser recém-nascida
era ainda amor, tudo estava prestes
a tornar-se claro – era
 
claro! Aquele subúrbio desnudo ao vento,
não romano, nem meridional,
nem obreiro, era a vida

na sua luz mais actual:
vida, e luz da vida, plena
no caos ainda não proletário,

como pretende o burdo jornal
da célula, o derradeiro
hastear da rotogravura: osso

da existência quotidiana,
pura, por ser tão demasiado
próxima, absoluta por ser

tão demasiada e miseravelmente humana.

Pier Paolo Pasolini

Tradução de João Coles

Il pianto della scavatrice

I

Solo l’amare, solo il conoscere
conta, non l’aver amato,
non l’aver conosciuto. Dà angoscia

il vivere di un consumato
amore. L’anima non cresce più.
Ecco nel calore incantato

della notte che piena quaggiù
tra le curve del fiume e le sopite
visioni della città sparsa di luci,

scheggia ancora di mille vite,
disamore, mistero, e miseria
dei sensi, mi rendono nemiche
le forme del mondo, che fino a ieri
erano la mia ragione d’esistere.
Annoiato, stanco, rincaso, per neri

piazzali di mercati, tristi
strade intorno al porto fluviale,
tra le baracche e i magazzini misti

agli ultimi prati. Lì mortale
è il silenzio: ma giù, a viale Marconi,
alla stazione di Trastevere, appare

ancora dolce la sera. Ai loro rioni,
alle loro borgate, tornano su motori
leggeri – in tuta o coi calzoni

di lavoro, ma spinti da un festivo ardore
i giovani, coi compagni sui sellini,
ridenti, sporchi. Gli ultimi avventori

chiacchierano in piedi con voci
alte nella notte, qua e là, ai tavolini
dei locali ancora lucenti e semivuoti.

Stupenda e misera città,
che m’hai insegnato ciò che allegri e
feroci
gli uomini imparano bambini,

le piccole cose in cui la grandezza
della vita in pace si scopre, come
andare duri e pronti nella ressa

delle strade, rivolgersi a un altro uomo
senza tremare, non vergognarsi
di guardare il denaro contato

con pigre dita dal fattorino
che suda contro le facciate in corsa
in un colore eterno d’estate;

a difendermi, a offendere, ad avere
il mondo davanti agli occhi e non
soltanto in cuore, a capire

che pochi conoscono le passioni
in cui io sono vissuto:
che non mi sono fraterni, eppure sono

fratelli proprio nell’avere
passioni di uomini
che allegri, inconsci, interi

vivono di esperienze
ignote a me. Stupenda e misera
città che mi hai fatto fare

esperienza di quella vita
ignota: fino a farmi scoprire
ciò che, in ognun, era il mondo.

Una luna morente nel silenzio,
che di lei vive, sbianca tra violenti
ardori, che miseramente sulla terra

muta di vita, coi bei viali, le vecchie
viuzze, senza dar luce abbagliano
e, in tutto il mondo, le riflette

lassù, un po’ di calda nuvolaglia.
È la notte più bella dell’estate.
Trastevere, in un odore di paglia

di vecchie stalle, di svuotate
osterie, non dorme ancora.
Gli angoli bui, le pareti placide

risuonano d’incantati rumori.
Uomini e ragazzi se ne tornano a casa
– sotto festoni di luci ormai sole –

verso i loro vicoli, che intasano
buio e immondizia, con quel passo blando
da cui più l’anima era invasa

quando veramente amavo, quando
veramente volevo capire.
E, come allora, scompaiono cantando.

II

Povero come un gatto del Colosseo,
vivevo in una borgata tutta calce
e polverone, lontano dalla città

e dalla campagna, stretto ogni giorno
in un autobus rantolante:
e ogni andata, ogni ritorno

era un calvario di sudore e di ansie.
Lunghe camminate in una calda caligine,
lunghi crepuscoli davanti alle carte

ammucchiate sul tavolo, tra strade di
fango,
muriccioli, casette bagnate di calce
e senza infissi, con tende per porte…

Passano l’olivaio, lo straccivendolo,
venendo da qualche altra borgata,
con l’impolverata merce che pareva

frutto di furto, e una faccia crudele
di giovani invecchiati tra i vizi
di chi ha una madre dura e affamata.

Rinnovato dal mondo nuovo,
libero – una vampa, un fiato
che non so dire, alla realtà

che umile e sporca, confusa e immensa,
brulicava nella meridionale periferia,
dava un senso di serena pietà.

Un’anima in me, che non era solo mia,
una piccola anima in quel mondo
sconfinato,
cresceva, nutrita dall’allegria

di chi amava, anche se non riamato.
E tutto si illuminava, a questo amore.
Forse ancora di ragazzo, eroicamente,

e però maturato dall’esperienza
che nasceva ai piedi della storia.
Ero al centro del mondo, in quel mondo

di borgate tristi, beduine,
di gialle praterie sfregate
da un vento sempre senza pace,

venisse dal caldo mare di Fiumicino,
o dall’agro, dove si perdeva
la città fra i tuguri; in quel mondo

che poteva soltanto dominare,
quadrato spettro giallognolo
nella giallognola foschia,

bucato da mille file uguali
di finestre sbarrate, il Penitenziario
tra vecchi campi e sopiti casali.

Le cartacce e la polvere che cieco
il venticello trascinava qua e là,
le povere voci senza eco

di donnette venute dai monti
Sabini, dall’Adriatico, e qua
accampate, ormai con torme

di deperiti e duri ragazzini
stridenti nelle canottiere a pezzi,
nei grigi, bruciati calzoncini,

i soli africani, le piogge agitate
che rendevano torrenti di fango
le strade, gli autobus ai capolinea

affondati nel loro angolo
tra un’ultima striscia d’erba bianca
e qualche acido, ardente immondezzaio…

era il centro del mondo, com’era
al centro della storia il mio amore
per esso: e in questa

maturità che per essere nascente
era ancora amore, tutto era
per divenire chiaro – era,

chiaro! Quel borgo nudo al vento,
non romano, non meridionale,
non operaio, era la vita

nella sua luce più attuale:
vita, e luce della vita, piena
nel caos non ancora proletario,

come la vuole il rozzo giornale
della cellula, l’ultimo
sventolio del rotocalco: osso

dell’esistenza quotidiana,
pura, per essere fin troppo
prossima, assoluta per essere

fin troppo miseramente umana.

III

E ora rincaso, ricco di quegli anni
così nuovi che non avrei mai pensato
di saperli vecchi in un’anima

a essi lontana, come a ogni passato.
Salgo i viali del Gianicolo, fermo
da un bivio liberty, a un largo alberato,

a un troncone di mura – ormai al termine
della città sull’ondulata pianura
che si apre sul mare. E mi rigermina

nell’anima – inerte e scura
come la notte abbandonata al profumo
una semenza ormai troppo matura

per dare ancora frutto, nel cumulo
di una vita tornata stanca e acerba…
Ecco Villa Pamphili, e nel lume

che tranquillo riverbera
sui nuovi muri, la via dove abito.
Presso la mia casa, su un’erba

ridotta a un’oscura bava,
una traccia sulle voragini scavate
di fresco, nel tufo – caduta ogni rabbia

di distruzione – rampa contro radi palazzi
e pezzi di cielo, inanimata,
una scavatrice…

Che pena m’invade, davanti a questi
attrezzi
supini, sparsi qua e là nel fango,
davanti a questo canovaccio rosso

che pende a un cavalletto, nell’angolo
dove la notte sembra più triste?
Perché, a questa spenta tinta di sangue,

la mia coscienza così ciecamente resiste,
si nasconde, quasi per un ossesso
rimorso che tutta, nel fondo, la contrista?

Perché dentro in me è lo stesso senso
di giornate per sempre inadempite
che è nel morto firmamento

in cui sbianca questa scavatrice?

Mi spoglio in una delle mille stanze
dove a via Fonteiana si dorme.
Su tutto puoi scavare, tempo: speranze

passioni. Ma non su queste forme
pure della vita… Si riduce
ad esse l’uomo, quando colme

siano esperienza e fiducia
nel mondo… Ah, giorni di Rebibbia,
che io credevo persi in una luce

di necessità, e che ora so così liberi!

Insieme al cuore, allora, pei difficili
casi che ne avevano sperduto
il corso verso un destino umano,

guadagnando in ardore la chiarezza
negata, e in ingenuità
il negato equilibrio – alla chiarezza

all’equilibrio giungeva anche,
in quei giorni, la mente. E il cieco
rimpianto, segno di ogni mia

lotta col mondo, respingevano, ecco,
adulte benché inesperte ideologie…
Si faceva, il mondo, soggetto

non più di mistero ma di storia.
Si moltiplicava per mille la gioia
del conoscerlo – come

ogni uomo, umilmente, conosce.
Marx o Gobetti, Gramsci o Croce,
furono vivi nelle vive esperienze.

Mutò la materia di un decennio d’oscura
vocazione, se mi spesi a far chiaro ciò
che più pareva essere ideale figura

a una ideale generazione;
in ogni pagina, in ogni riga
che scrivevo, nell’esilio di Rebibbia,

c’era quel fervore, quella presunzione,
quella gratitudine. Nuovo
nella mia nuova condizione

di vecchio lavoro e di vecchia miseria,
i pochi amici che venivano
da me, nelle mattine o nelle sere

dimenticate sul Penitenziario,
mi videro dentro una luce viva:
mite, violento rivoluzionario

nel cuore e nella lingua. Un uomo fioriva

IV

Mi stringe contro il suo vecchio vello,
che profuma di bosco, e mi posa
il muso con le sue zanne di verro

o errante orso dal fiato di rosa,
sulla bocca: e intorno a me la stanza
è una radura, la coltre corrosa

dagli ultimi sudori giovanili, danza
come un velame di pollini… E infatti
cammino per una strada che avanza

tra i primi prati primaverili, sfatti
in una luce di paradiso…
Trasportato dall’onda dei passi,

questa che lascio alle spalle, lieve e
misero,
non è la periferia di Roma: “Viva
Mexico!” è scritto a calce o inciso

sui ruderi dei templi, sui muretti ai bivii,
decrepiti, leggeri come osso, ai confini
di un bruciante cielo senza un brivido.

Ecco, in cima a una collina
fra le ondulazioni, miste alle nubi,
di una vecchia catena appenninica,

la città, mezza vuota, benché sia l’ora
della mattina, quando vanno le donne
alla spesa – o del vespro che indora

i bambini che corrono con le mamme
fuori dai cortili della scuola.
Da un gran silenzio le strade sono invase:

si perdono i selciati un po’ sconnessi,
vecchi come il tempo, grigi come il
tempo,
e due lunghi listoni di pietra

corrono lungo le strade, lucidi e spenti.
Qualcuno, in quel silenzio, si muove:
qualche vecchia, qualche ragazzetto

perduto nei suoi giuochi, dove
i portali di un dolce Cinquecento
s’aprano sereni, o un pozzetto

con bestioline intarsiate sui bordi
posi sopra la povera erba,
in qualche bivio o canto dimenticato.

Si apre sulla cima del colle l’erma
piazza del comune, e fra casa
e casa, oltre un muretto, e il verde

d’un grande castagno, si vede
lo spazio della valle: ma non la valle.
Uno spazio che tremola celeste

o appena cereo… Ma il Corso continua,
oltre quella familiare piazzetta
sospesa nel cielo appenninico:

s’interna fra case più strette, scende
un po’ a mezza costa: e più in basso
– quando le barocche casette diradano

ecco apparire la valle – e il deserto.
Ancora solo qualche passo
verso la svolta, dove la strada

è già tra nudi praticelli erti
e ricciuti. A manca, contro il pendio,
quasi fosse crollata la chiesa,

si alza gremita di affreschi, azzurri,
rossi, un’abside, pesta di volute
lungo le cancellate cicatrici

del crollo – da cui soltanto essa,
l’immensa conchiglia, sia rimasta
a spalancarsi contro il cielo.

È lì, da oltre la valle, dal deserto,
che prende a soffiare un’aria, lieve,
disperata,
che incendia la pelle di dolcezza…

È come quegli odori che, dai campi
bagnati di fresco, o dalle rive di un
fiume,
soffiano sulla città nei primi

giorni di bel tempo: e tu
non li riconosci, ma impazzito
quasi di rimpianto, cerchi di capire

se siano di un fuoco acceso sulla brina,
oppure di uve o nespole perdute
in qualche granaio intiepidito

dal sole della stupenda mattina.
Io grido di gioia, così ferito
in fondo ai polmoni da quell’aria

che come un tepore o una luce
respiro guardando la vallata

V

Un po’ di pace basta a rivelare
dentro il cuore l’angoscia,
limpida, come il fondo del mare

in un giorno di sole. Ne riconosci,
senza provarlo, il male
lì, nel tuo letto, petto, cosce

e piedi abbandonati, quale
un crocifisso – o quale Noè
ubriaco, che sogna, ingenuamente ignaro

dell’allegria dei figli, che
su lui, i forti, i puri, si divertono…
il giorno è ormai su di te,

nella stanza come un leone dormente.

Per quali strade il cuore
si trova pieno, perfetto anche in questa
mescolanza di beatitudine e dolore?

Un po’ di pace… E in te ridesta
è la guerra, è Dio. Si distendono
appena le passioni, si chiude la fresca

ferita appena, che già tu spendi
l’anima, che pareva tutta spesa,
in azioni di sogno che non rendono

niente… Ecco, se acceso
alla speranza – che, vecchio leone
puzzolente di vodka, dall’offesa

sua Russia giura Krusciov al mondo –
ecco che tu ti accorgi che sogni.
Sembra bruciare nel felice agosto

di pace, ogni tua passione, ogni
tuo interiore tormento,
ogni tua ingenua vergogna

di non essere – nel sentimento –
al punto in cui il mondo si rinnova.
Anzi, quel nuovo soffio di vento

ti ricaccia indietro, dove
ogni vento cade: e lì, tumore
che si ricrea, ritrovi

il vecchio crogiolo d’amore,
il senso, lo spavento, la gioia.
E proprio in quel sopore

è la luce… in quella incoscienza
d’infante, d’animale o ingenuo libertino
è la purezza… i più eroici

furori in quella fuga, il più divino
sentimento in quel basso atto umano
consumato nel sonno mattutino.

VI

Nella vampa abbandonata
del sole mattutino – che riarde,
ormai, radendo i cantieri, sugli infissi

riscaldati – disperate
vibrazioni raschiano il silenzio
che perdutamente sa di vecchio latte,

di piazzette vuote, d’innocenza.
Già almeno dalle sette, quel vibrare
cresce col sole. Povera presenza

d’una dozzina d’anziani operai,
con gli stracci e le canottiere arsi
dal sudore, le cui voci rare,

le cui lotte contro gli sparsi
blocchi di fango, le colate di terra,
sembrano in quel tremito disfarsi.

Ma tra gli scoppi testardi della
benna, che cieca sembra, cieca
sgretola, cieca afferra,

quasi non avesse meta,
un urlo improvviso, umano,
nasce, e a tratti si ripete,

così pazzo di dolore, che, umano,
subito non sembra più, e ridiventa
morto stridore. Poi, piano,

rinasce, nella luce violenta,
tra i palazzi accecati, nuovo, uguale,
urlo che solo chi è morente,

nell’ultimo istante, può gettare
in questo sole che crudele ancora splende
già addolcito da un po’ d’aria di mare…

A gridare è, straziata
da mesi e anni di mattutini
sudori – accompagnata

dal muto stuolo dei suoi scalpellini,
la vecchia scavatrice: ma, insieme, il
fresco
sterro sconvolto, o, nel breve confine

dell’orizzonte novecentesco,
tutto il quartiere… È la città,
sprofondata in un chiarore di festa,

– è il mondo. Piange ciò che ha
fine e ricomincia. Ciò che era
area erbosa, aperto spiazzo, e si fa

cortile, bianco come cera,
chiuso in un decoro ch’è rancore;
ciò che era quasi una vecchia fiera

di freschi intonachi sghembi al sole,
e si fa nuovo isolato, brulicante
in un ordine ch’è spento dolore.

Piange ciò che muta, anche
per farsi migliore.
La luce
del futuro non cessa un solo istante

di ferirci: è qui, che brucia
in ogni nostro atto quotidiano,
angoscia anche nella fiducia

che ci dà vita, nell’impeto gobettiano
verso questi operai, che muti innalzano,
nel rione dell’altro fronte umano,

il loro rosso straccio di speranza.

Da “Le ceneri di Gramsci”, 1957