domingo, 18 de maio de 2014

A mulher que chora baixinho - Álvaro de Campos

Fernando Pessoa

A mulher que chora baixinho

A mulher que chora baixinho

Entre o ruído da multidão em vivas…
O vendedor de ruas, que tem um pregão esquisito,
Cheio de individualidade para quem repara…
O arcanjo isolado, escultura numa catedral,
Syringe fugindo aos braços estendidos de Pan,
Tudo isto tende para o mesmo centro,
Busca encontrar-se e fundir-se
Na minha alma.
Eu adoro as coisas
E o meu coração é um albergue aberto toda a noite.
Tenho pela vida um interesse ávido
Que busca compreende-la sentindo-a muito.
Amo tudo, animo tudo, empresto humanidade a tudo,
Aos homens e às pedras, às almas e às maquinas,
Para aumentar com isso a minha personalidade.
Pertenço a tudo para pertencer cada vez mais a mim próprio
E a minha ambição era trazer o universo ao colo
Como uma criança a quem a ama beija.

Álvaro de Campos

Sem comentários: