sábado, 31 de agosto de 2019

Afrin - Maria João Cantinho



                            Para Hussein Habasch

Dizem que o pesadelo dos soldados do Estado Islâmico
é ser morto por uma mulher,
dizem que não terão as 72 virgens
nesse paraíso sonhado que os espera.
E elas, peshmerga, enfrentando a morte,
olhos de tigre, saltam-lhes ao caminho como demónios
livres e sem véus, implacáveis,
elas que, no amor e nos filhos, respiram a ternura
e a salvação.
Ceylan matou-se com a última bala de que dispunha,
talvez tivesse tido medo nessa hora,
mas o tempo não é para medos nem delongas
e Ceylan também não sabe ser heroína
que isso é para as ocidentais plasmadas
No tédio das suas vidas vazias,
entregues à contemplação de miragens,
criadas pelos que vendem a morte
em longínquas paragens.
Afrin fez-se explodir, para não cair em mãos inimigas,
O seu corpo matou tantos quanto pôde,
em nome de um povo, que só na alma e no coração
conhece a sua pátria, ardendo
no olhar das suas crianças, quietas,
à espera do futuro, que silva entre as balas
e o sangue, as vísceras dos seus mortos.
Em Afrin, só a morte canta,
só ela floresce, petrificando,
diante da nossa indiferença gelada, muda.


Sem comentários: