quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

“Até logo” - António Borges Coelho

 

 

“Até logo”

 

à Isaura

Há oito meses dissemos:

– Até logo!
Era uma tarde fria de Novembro
uma tarde como qualquer outra
gente regressando a casa do trabalho
lancheiras malas rugas profundas no rosto.

Se houvesse malas de mão
para a saudade a desventura
não havia malas no mundo que

[chegassem...

Era uma tarde fria de Novembro.
Não sei se alguém sorriu
do beijo que trocámos.
– Até logo – disseste.

Depois passaram oito meses
os meses mais compridos que tenho

[encontrado.

Que pensamentos levava comigo?
Sei que disseste «até logo»
E era como se levasse as tuas mãos
Abertas sobre o meu peito.

Pensava
que só nas despedidas breves
por horas
se dizia «até logo»
como a alguém que parte
«boa viagem»
ou ao nosso companheiro
«bom trabalho».

Mas já passaram oito meses
duzentos e quarenta dias
cinco mil e setecentas horas.
Porque disseste
«Até logo»?[

Se eu não soubesse
aprenderia que na minha pátria
os namorados dizem «até logo»
e estão meses anos
por vezes não voltam mais.

Fecham-nos
atrás de grades de ferro
espancam-nos
matam-nos devagar
e não permitem que apareçam
«logo».
 
Amiga
o ódio que trago armazenado
destas noite de insónia e abandono
dou-o à luta.
Mas temos que sofrer
sofrer deveras.
Até que um dia
Os homens cantarão livres como

[os pássaros

os namorados beijarão sem pressa
e as palavras «até logo»
quererão dizer simplesmente
«até logo»[*]

António Borges Coelho


[*] Os oito meses transformaram-se em dez anos. Noutros casos, quinze, vinte anos e mais.
Em António Borges Coelho. Fortaleza, Seara Nova, 1974

 

G
M
T
Y
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