domingo, 17 de julho de 2022

I Soneto da loucura - Carlos Drummond de Andrade

 

I  Soneto da loucura

 

A minha casa pobre é rica de quimera

e se vou sem destino a trovejar espantos,

meu nome há de romper as mais nevoentas eras

tal qual Pentapolim, o rei dos Garamantas.

 

Rola em minha cabeça o tropel de batalhas

jamais vistas no chão ou no mar ou no inferno.

Se da escura cozinha escapa o cheiro de alho,

o que nele recolho é o olor da glória eterna.

 

Donzelas a salvar, há milhares na Terra

e eu parto e meu rocim, corisco, espada, grito,

torto endireitando, herói de seda e ferro,

 

E não durmo, abrasado, e janto apenas nuvens,

na férvida obsessão de que enfim a bendita

Idade de Ouro e Sol baixe lá nas alturas.



Carlos Drummond de Andrade



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