quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Na última noite nesta terra - MAHMOUD DARWISH

 

I

Na última noite

nesta terra 

 

Na última noite nesta terra, arrancamos os dias

das pequenas árvores, e contamos as costelas que levaremos junto

e aquelas que deixaremos aqui, na última noite

não diremos adeus, não teremos tempo para acabar.

Tudo ficará como está, já que o lugar trocará os nossos sonhos

e trocará os nossos hóspedes. De uma hora para outra, não saberemos mais brincar

porque o lugar estará pronto para receber a poeira... Aqui, na última noite,

contemplamos as montanhas rodeadas de nuvens: a conquista... a reconquista

o tempo antigo a entregar ao tempo novo as chaves dos portões.

Entrem, senhores conquistadores, entrem nas nossas casas, bebam do vinho

das nossas doces “muachahat”. Seremos a noite e, finda a meia-noite,

já não haverá mais auroras levadas em dorso de cavalo, ouvido o último muezim.

O nosso chá é verde, é quente, bebam, o amendoim é fresco, comam,

as camas são verdes, a madeira é de cedro, entreguem-se ao sono

depois de tão longo cerco, durmam nas plumas dos nossos sonhos,

os lençóis estão estendidos, os perfumes esperam por vocês à porta, há muitos espelhos, entrem, nós vamos sair de vez, e vamos depois procurar saber

como era a nossa história frente à história de vocês na longínqua terra,

vamos nos perguntar por fim: onde era o Alandalus

aqui ou lá? nesta terra ou no poema? 

 

MAHMOUD DARWISH

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