quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Às pessoas comuns - Luís Neves

 

(desenho de Fernão Campos)

Dedico este livro às pessoas comuns

 

As pessoas são comuns quando já não querem ser outras.

As pessoas comuns só querem que não as chateiem e mais nada.

As pessoas comuns não esperam a esperança.

 

Ela espera sempre e nunca é esperada,

Ela faz-se adulta mas é sempre criança,

Ela é maior mas é sempre pequena,

Ela é amante antes de ser amada,

Ela é oficial e age como ordenança,

Ela é profissional e pagam-lhe como amadora,

Ela é mestre e ouve como discente,

Ela é doutora e tratam-na como paciente,

Ela é mãe sem deixar de ser filha.

 

Ele nunca é observador é sempre observado,

Ele nunca é escritor é sempre leitor,

Ele é o ator que atua na plateia.

 

Ele queria ser flor e foi sempre mato,

Ele queria ser poema e não passou de letra,

Ele não conseguiu ser fadista nem letra de fado,

Ele queria ser marinheiro e foi faroleiro,

Ele queria ser pastor e foi sempre ovelha,

Ele queria ser dono e foi sempre um animal,

Ele queria ser agricultor mas limitou-se a comer,

Ele nunca tratou da vinha e não lhe faltou de beber,

Ele queria ser eleito e foi sempre eleitor,

Ele queria um mundo melhor mas…

Ele queria ser outro e foi ele mesmo,

Ele queria ser rico e foi sempre pobre,

Ele queria ser história e só teve nome,

Ele queria ser herói e é

Ao meu herói:

O homem comum

Ele foi sempre limpo e não passou de porco,

Ele queria ser lúcido e foi sempre louco,

Ele queria ser muito e foi sempre pouco,

Ele sonhava o futuro e só teve o presente,

Ele queria viver para sempre e morreu,

Comumente

 

- Que é isso de vencer na vida, ó vós incomuns!?

 

Luis Neves

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