sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

Tenta louvar o mundo mutilado - Adam Zagajewski

Tenta louvar o mundo mutilado

Tenta louvar o mundo mutilado.
Recorda os longos dias de Junho
e os morangos silvestres, as gotas de vinho rosé.
As urtigas que cobrem metodicamente
as herdades abandonadas dos exilados.
Tens de louvar o mundo mutilado.
Observaste os iates elegantes e os navios;
um tinha uma longa viagem pela frente,
ao outro esperava-o apenas o nada salgado.
Viste os refugiados que caminhavam para lugar nenhum,
ouviste os carrascos que cantavam com alegria.
Deves louvar o mundo mutilado.
Recorda os momentos em que estiveram juntos
no quarto branco, as cortinas movendo-se.
Volta em pensamento ao concerto, quando a música eclodiu.
No Outono colheste bolotas no parque
e as folhas rodopiavam sobre as cicatrizes da terra.
Louva o mundo mutilado
e a pena cinzenta, perdida pelo tordo,
e a luz delicada, que erra e desaparece
regressa.

Adam Zagajewski

Tradução de João Ferrão e Anna Kuśmierczyk

Try to Praise the Mutilated World

Try to praise the mutilated world.
Remember June’s long days,
and wild strawberries, drops of rosé wine.
The nettles that methodically overgrow
the abandoned homesteads of exiles.
You must praise the mutilated world.
You watched the stylish yachts and ships;
one of them had a long trip ahead of it,
while salty oblivion awaited others.
You’ve seen the refugees going nowhere,
you’ve heard the executioners sing joyfully.
You should praise the mutilated world.
Remember the moments when we were together
in a white room and the curtain fluttered.
Return in thought to the concert where music flared.
You gathered acorns in the park in autumn
and leaves eddied over the earth’s scars.
Praise the mutilated world
and the gray feather a thrush lost,
and the gentle light that strays and vanishes
and returns

 

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