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O Evangelho segundo o poeta’ De ti pouco mais sei do que o que li |
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E de tudo o que retive e que aprendi |
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Nenhum dos escritores te conheceu, |
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Por isso é que aprendi a duvidar |
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Que fizeste, tu, Amigo? Francamente! |
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Tu, que divino sempre te julgaste |
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Que surgiste, já homem, sem sabermos |
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Depois permaneceste errando, incerto, |
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Partiste rumo ao mar para pescar |
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Quem eras Tu, que assim se aventurava |
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Quem eras tu, surgido de repente |
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Que o Velho Testamento transformaste |
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Tu, que amaste as crianças com
ternura, |
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Que a fome por milagre mitigaste |
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Que à mulher conferiste a dignidade |
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Que morreste sozinho, abandonado |
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Questionaste o Pai sobre a razão |
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Disseram que depois ressuscitaste! |
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Mas não creio que tal seja verdade. |
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Eras tu, Jesus, o Deus que amava, |
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E por isso te via a todo o instante |
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Para mim nunca foste a divindade, |
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E se hoje creio em ti desta maneira |
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Morreste torturado numa cruz |
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Mas tão débil eu sou que não consigo |
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Por isso sinto a dor tão pertinaz |
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A minha cruz é de outra natureza |
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E só pensando em ti me tornarei |
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Porque a Vida, Jesus, é mesmo assim, |
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E se de nada mais tenho a certeza, |
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Do Bem e da Pureza soberano |
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Se como tu não passo de um mortal |
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E por isso te quero e te encareço |
segunda-feira, 15 de dezembro de 2025
O Evangelho segundo o poeta - Fernando Peixoto
sexta-feira, 12 de dezembro de 2025
Os advogados do Dólar - Pablo Neruda
Os advogados do Dólar
Inferno americano, pão nosso
empapado em veneno, há outra
língua em tua pérfida fogueira:
é o advogado nativo
da companhia estrangeira.
É ele que arrebita os grilhões
da escravidão em sua pátria,
e passeia desdenhoso
com a casta dos gerentes
a mirar com ar supremo
nossas bandeiras andrajosas.
Quando chegam de Nova York
as vanguardas imperiais,
engenheiros, calculistas,
agrimensores, peritos,
e medem terra conquistada,
estanho, petróleo, bananas,
nitrato, cobre, manganês,
açúcar, ferro, borracha, terra,
adianta-se um anão obscuro,
com um sorriso amarelo,
e aconselha com suavidade
aos invasores recentes:
Não é preciso pagar tanto
a estes nativos, seria
um crime, meus senhores, elevar
estes salários. Não convém.
Estes pobres-diabos, estes mestiços,
iriam só embriagar-se
com tanto dinheiro. Pelo amor de Deus!
São uns primitivos, quase
umas feras, conheço esta cambada.
Não paguem tanto dinheiro.
É adotado. Põem-lhe
libré. Veste como gringo,
cospe como gringo. Dança
como gringo, e vai subindo.
Tem automóvel, uísque, imprensa,
é eleito juiz e deputado,
é condecorado, é ministro,
e é ouvido no Governo.
Sabe ele quem é subornável.
Sabe ele quem é subornado.
Ele lambe, unta, condecora,
afaga, sorri, ameaça.
E assim se esvaziam pelos portos
as repúblicas dessangradas.
Onde mora, perguntareis,
este vírus, este advogado,
este fermento do detrito,
este duro piolho sanguíneo,
engordado de nosso sangue?
Mora nas baixas regiões
equatoriais, o Brasil,
mas sua morada é também
o cinturão central da América.
Podereis encontrá-lo na escarpada
altura de Chuquicamata.
Onde cheira riqueza sobe
os montes, cruza abismos,
com as receitas de seu código
para roubar a terra nossa.
Podereis achá-lo em Puerto Limón,
na Ciudad Trujillo, em
Iquique,
em Caracas, Maracaibo,
em Antofagasta, em Honduras,
encarcerando nosso irmão,
acusando seu compatriota,
despedindo peões, abrindo
portas de juízes e abastados,
comprando imprensa, dirigindo
a polícia, o pau, o rifle
contra sua família esquecida.
Pavoneando-se, vestido
de smoking, nas receções,
inaugurando monumentos,
com esta frase: Meus senhores,
a pátria, antes da vida,
é a nossa mãe, é o nosso chão,
vamos defender a ordena fazendo
novos presídios, novos cárceres.
E morre glorioso, “o patriota”,
senador, patrício, eminente,
condecorado pelo papa,
ilustre, próspero, temido,
enquanto a trágica ralé
de nossos mortos, os que fundiram
a mão no cobre, arranharam
a terra profunda e severa,
morrem batidos e esquecidos,
postos às pressas
em seus caixões funerários:
um nome, um número na cruz
que o vento sacode, matando
até a cifra dos heróis.
quinta-feira, 11 de dezembro de 2025
A GREVE - Júlio Saraiva
A GREVE
(em solidariedade às companheiras e companheiros em greve)
a greve
é grave
a greve não teme
a chuva
e nem teme
que o trabalhador morra a fome
a fome é porca
e o trabalhador usa o pouco
que lhe resta
para cruzar os braços e parar
a greve pode - e deve - parar
quarta-feira, 10 de dezembro de 2025
A GREVE DOS POETAS - Marcelino Freire
A GREVE
DOS POETAS
Poetas em greve, sim.
Agora e já!
Por que não?
Não entraram os bancários?
Os ferroviários?
Os servidores do Estado?
É legítima nossa reivindicação.
Não viu, no Brasil?
Todo trabalhador
de braço cruzado.
Investigador e escrivão.
Coveiros sem enterros.
Policiais no Maranhão.
Poetas, avante, à luta,
é hora de união.
De coração parado,
em silêncio,
tomemos a multidão.
Mostremos que somos
uma categoria.
A cidade sem palavras,
nada de saraus na periferia.
A população pedirá
urgentemente
a nossa volta ao trabalho.
Tenho certeza,
bem sei.
Quem quer ver a poesia assim,
para sempre,
morta de uma vez?
GREVE - Nivaldo Vanderlei Balla
GREVE
Greve é um mal necessário
Glória para os protagonistas
Muitas vezes efêmeras
E outras duradouras.
Dos louros todos aproveitam
Os coadjuvantes são de aparecer
Quando tudo está terminado
Ao fitá-los ficam com cara de tacho.
Esse é um momento diferenciado
O retrato com forma de derrota
Não olhe para a greve como brincadeira
Não se torne o rato que dá viva à ratoeira.
Sinta alegria pela luta na tentativa
Não apenas pela vitória e consequência
De um movimento de classe organizada
Sempre lutar com determinação.
Se perder, perca com classe
Caso venha a vitória, que seja com ousadia
O mundo só existe para quem se atreve
Já afirmei: vitória é apenas consequência.
Escrevi algumas linhas nessa poesia
Sobre as indignações do dia a dia
De uma luta desigual onde somos servidores
Lutando contra os ditadores da democracia.
É uma forma que consigo gritar em silêncio
Será que um dia alguém terá ouvidos para mim.
terça-feira, 9 de dezembro de 2025
PALAVRA GREVE - Oswald Barroso
PALAVRA GREVE
Com gê
com vê se escreve
a palavra greve
com gê de guerra
com vê de vida
a palavra é lida
a palavra é livre
a palavra é breve.
A dizê-la
quem se atreve?
Quem bate
a boca atrevida?
Com lê
com dê se escreve
a palavra lida
com lê de luta
com dê de dia
a palavra é dita
a palavra é dura.
O seu peso
quem atura?
Quem se mata
sob a treva?
Com gê
com pê se escreve
a palavra paro
com gê de greve
com pê de pedra
a palavra é porta
a palavra é posta
a palavra é pista.
A fazê-lo
quem se arrisca?
Quem ousa
estancar a fábrica?
— Quem a move.
Quem ousa
parar a cidade?
— Quem a move.
Quem ousa
mudar o mundo?
— Quem o move
Com ê
com rê se escreve
a palavra greve
com ê de elo
com rê de rua
a palavra é tua.
Ao teu grito
quem recua?
— Que te mata.
Mata o medo
mágica palavra
pára a máquina
mostra a mão
que move o mundo
mede a força que dorme
mede o aço que ferve
no braço que se cruza.
Quem sabe o dom da palavra
é quem a usa.
Oswald Barroso
Fortaleza, junho de 1979