sábado, 8 de março de 2025
terça-feira, 4 de março de 2025
A Esperança é poema
“Teremos comida,
não restos.
Vamos
viver o momento, apreciá-lo - não apenas como uma lembrança do que já foi, mas
como prova de que ainda estamos aqui. Que carregamos dentro de nós o legado daqueles que
perdemos.
E
agora, mais do que nunca, entendo a oração de minha mãe:
"Oh
Deus, vamos chegar ao Ramadão sem perder ninguém ou nos perdermos."
Mas
desta vez, eu sussurro de forma diferente.
Oh Deus, vamos chegar ao Ramadão... sem perder mais ninguém. ”
A
liberdade que brota das ruínas tem futuro
segunda-feira, 3 de março de 2025
OS BANCOS - Armando Silva Carvalho
OS
BANCOS
Era
bom descolar dos bancos, erguer o olhar acima
das
cantarias, deste peso rotundo,
desta
massa de cifras, destes arranjos de papéis abstratos,
destes
homens que sou obrigado a ler e ouvir
como
tributo ao facto de ainda estar vivo.
Tudo
isto e o futebol
e
os seus comentadores de camisa aberta,
deprime
a minha idade, mata-me
mais
cedo.
Eu
descubro a febre antes dela me chegar aos membros,
olho-me
ao espelho e pareço um cientista ambulante
desses
que ganham prémios
e
só lhes falta fixamente o próximo
para
alcançarem o cómodo lugar de santos laicos.
As
doenças estendem-se nos mapas,
as
pestes são como as mariposas,
e
tudo parece esvoaçar na febre programada.
Mas
melhor mesmo era descolar dos bancos,
subir
acima do mármore, adormecer sem idade nem estrela,
ou
descer tão baixo que a água não consiga encontrar-me,
e
os vermes duma beleza estranha, azul, tão movediça,
venham
beijar-me os poemas, discípulos de morte.
Sim,
descolar dos bancos, encher a boca de terra,
enfim,
saber dormir.
sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025
"As Últimas Palavras de Spartacus"- Amal Dunqul
"As Últimas Palavras de Spartacus"
(Primeiro Verso)
Glória a Satanás... o ídolo dos ventos,
Que disse "Não" à face daqueles que
disseram "Sim",
Que ensinou o homem a rasgar o nada,
Que disse "Não" e não morreu,
E permaneceu um espírito de dor eterna!
(Segundo Verso)
Estou suspenso na forca do amanhecer,
E minha testa - pela morte - está curvada,
Porque não a curvei... enquanto vivo!
Ó meus irmãos que cruzam a praça martelando,
Descendo ao final da tarde,
Na rua de Alexandre, o Grande:
Não se envergonhem... e levantem os olhos para
mim,
Pois vocês estão suspensos ao meu lado... na
forca de César,
Então levantem os olhos para mim,
Talvez... se seus olhos encontrarem a morte nos
meus,
A aniquilação dentro de mim possa sorrir...
porque vocês levantaram suas cabeças... uma vez!
"Sísifo" não carrega mais a pedra em
seus ombros,
Ela é carregada por aqueles que nasceram nas
deceções da servidão,
E o mar... como o deserto... não mata a sede,
Porque aqueles que dizem "Não" só bebem
de lágrimas!
Então levantem os olhos para o rebelde enforcado,
Pois vocês acabarão como ele... amanhã,
E beijem suas esposas... aqui... à beira da
estrada,
Pois vocês acabarão aqui... amanhã,
Pois a curvatura é amarga...
E a aranha acima dos pescoços dos homens tece a
decadência,
Então beijem suas esposas... deixei minha esposa
sem uma despedida,
E se vocês virem meu filho que deixei em seus
braços sem um braço,
Ensinem-no a se curvar!
Ensinem-no a se curvar!
Deus não perdoou o pecado de Satanás quando ele
disse não!
E os bons suplicantes...
São aqueles que herdam a terra no final do
caminho,
Porque... eles não se enforcam!
Então ensinem-no a se curvar...
E não há escapatória,
Não sonhem com um mundo feliz,
Pois atrás de cada César que morre: um novo César
nasce!
E atrás de cada rebelde que morre: dores sem
proveito...
E uma lágrima desperdiçada!
(Terceiro Verso)
Ó grande César: Errei... confesso.
Deixe-me - na minha forca - beijar sua mão,
Eis que beijo a corda que envolve meu pescoço,
Pois é sua mão, e é sua glória que nos força a
adorá-lo.
Deixe-me expiar meu pecado,
Eu lhe ofereço - após minha morte - meu crânio,
Forje dele uma taça para sua bebida forte.
Se você fizer como eu desejo...
Se eles perguntarem sobre o sangue do meu mártir,
E se você me concedeu "existência"
apenas para me roubar da "existência",
Diga a eles: Ele morreu... sem guardar rancor de
mim.
E esta taça - cujos ossos eram seu crânio -
É meu documento de perdão.
Ó meu algoz: Eu o perdoei...
No momento em que você encontrou descanso de mim,
Eu encontrei descanso de você!
Mas eu o aconselho, se você quiser enforcar
todos,
Poupe as árvores!
Não corte os troncos para fazer deles forcas,
Não corte os troncos,
Pois talvez a primavera possa chegar,
"E o ano é um ano de fome", E você não
sentirá o cheiro de frutas nos galhos!
E talvez o verão perigoso passe por nossas
terras,
Você atravessa o deserto, buscando sombras,
E você não vê nada além de aridez, areias,
aridez, areias,
E sede ardente nas costelas!
Ó senhor dos mártires brancos na escuridão...
Ó César da geada!
(Quarto Verso)
Meus irmãos, que na praça cedem, curvando-se,
Descendo à medida que a noite se esvai,
Não visualizem um mundo de alegria...
Pois cada César caído dá lugar ao nascimento de
outro.
E se em seu caminho você encontrar
"Aníbal",
Diga a ele que esperei uma vida inteira nos
portões cansados de "Roma",
Esperei os anciãos de Roma sob o arco da vitória,
o vencedor dos campeões,
E as mulheres romanas adornadas,
Ansiosamente esperando a chegada das tropas...
Aqueles com cabeças atlânticas encaracoladas.
Mas os soldados conscritos de "Aníbal"
nunca chegaram,
Então diga a ele que esperei... esperei...
Mas ele nunca veio!
E que esperei por ele... até me encontrar nas
cordas da morte.
E à distância: "Cartago" queima nas
chamas,
"Cartago", a consciência do sol:
aprendeu o significado de ajoelhar-se,
E a aranha acima dos pescoços dos homens,
E as palavras estão engasgando.
Meus irmãos: A virgem Cartago está queimando,
Então beijem suas esposas...
Deixei minha esposa sem uma despedida,
E se você vir meu filho, que deixei em seus
braços... sem um braço,
Ensinem-no a se curvar...
Ensinem-no a se curvar...
Ensinem-no a se curvar…
quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025
Tarefa - Geir Campos
Tarefa
Morder o fruto amargo e não cuspir
mas avisar aos outros quanto é amargo,
cumprir o trato injusto e não falhar
mas avisar aos outros quanto é injusto,
sofrer o esquema falso e não ceder
mas avisar aos outros quanto é falso;
dizer também que são coisas mutáveis...
E quando em muitos a noção pulsar
— do amargo e injusto e falso por mudar —
então confiar à gente exausta o plano
de um mundo novo e muito mais humano.
(1957)
terça-feira, 25 de fevereiro de 2025
CORAÇÃO - Carlos de Oliveira
CORAÇÃO
1
Tosca e rude poesia:
meus versos plebeus
são corações fechados,
trágico peso de palavras
como um descer da noite
aos descampados.
Ó noite ocidental,
que outra voz nos
consente
a solidão?
Cingidos de desprezo,
somos os humilhados
cristos desta paixão.
E quanto mais nos gelar a
frialdade
dos teus inúteis astros,
mortos de marfim,
mais e mais, génio do
povo,
cantarás em mim.
(de
“Mãe Pobre”, 1945)
domingo, 23 de fevereiro de 2025
Essa flor - Hejar
Essa flor
A essa flor
arrancaram as pétalas, mas está viva.
Esse coração
sofrido, se manteve firme.
Essa estrela
caiu, mas deixou um rastro de luz no bosque
como quem sabe morrer com um sorriso
quando abre suas asas
o vento das terras altas.
Eu os levo comigo
são as imagens
de não se render.
Hejar
(poema curdo)
sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025
Se eu devo morrer - Refaat Alareer
Se
eu devo morrer
Se eu devo morrer
Tu deves viver
Para contar minha história
Para vender meus trastes
Para comprar um pedaço de pano
E também umas cordas
(Uma pano branco com uma cauda
que alongaste)
De modo que uma criança, em
algum lugar de Gaza,
Que tenha o céu no centro de seu
olhar,
Esperando pelo pai que se foi num
arder de fogaréu,
Sem se despedir de ninguém,
Sequer de seu corpo,
Sequer de si mesmo,
Que ele veja este teu pássaro
voador bem no alto,
Que pense por um momento que lá
voa um anjo,
Trazendo o amor de volta.
Se eu devo morrer,
Que tal fado traga esperança,
Que se transforme numa história.
(O último poema que
escreveu, Casado,
Alareer deixou
esposa e seis filhos.)
segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025
domingo, 16 de fevereiro de 2025
VERDES ANOS (A Carlos Paredes) - Manuel Simões
(1925 – 2004)
VERDES ANOS
(A Carlos Paredes)
Era um tempo dividido:
manhãs de cinza, tardes de
euforia.
Era um tempo de litígio:
noites clandestinas, sinais de
asfixia.
Como esquecer-te guitarra de
verdes
ramos rompendo a monotonia,
dor do passado, saudade do
futuro,
ferida aberta em som tão puro.
Verdes anos que a música
prometia:
como ave antiga, o canto nos
trazia.
quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025
Cheirado, Cheirado na ONU - Mohammed El-Kurd
Cheirado,
Cheirado na ONU,
A data de hoje marca
alguma década,
de uma longa e
prolixa articulação.
Fora do edifício,
o embaixador israelita
protesta-me
com um enorme cartaz.
Eu não fiquei surpreendido
com os lavatórios manchados
de sangue
na casa de banho
ou com os Camaleões
por toda a parte.
Pela quinta vez
mostrei aos meus seguranças
o meu passaporte,
senti-me como uma
ameaça natural.
Pedi para falar
onde os presidentes falaram.
Sem fato, sem gentilezas.
Sim, é política e ótica
mas, principalmente,
eu tenho aula depois disto
e um professor dececionado.
Sem tempo para engomar
tecidos ou teatralidades.
Apenas apertos de
mão fugazes,
apenas poemas vencidos.
Irei em seguida.
Agora, há uma criança
no pódio
que gesticula para os
seus membros,
que leiloa a sua humanidade.
O representante de um
estado chora,
outro masturba-se.
Para o discurso,
vejo Kwame Ture.
Para o jornal,
eu escrevo o mesmo artigo
com antecedência.
Pontos de
discussão centenários,
a sua atual relevância assustadora,
o roubo, não a rotina
implacável.
Esta manhã,
o genocídio continua
entre o rio
e o mar.
O vocabulário não
é genocida.
A aniquilação é.
Desequilíbrio de poder.
David contra Golias,
não Maomé contra Moisés.
Uma nação sob vigilância.
Outra em psicose.
David contra Golias,
não Maomé contra Moisés.
Uma nação sob vigilância.
Outra em psicose.
Eu quase mergulhei
de cabeça
do palco
para uma orgia
de diplomatas.
Olá. Bom dia,
emprego atrás de emprego,
tenho desprezo por este conselho.
E de forma mais contundente,
desprezo pela lata.
Eles só vão parar
o círculo vicioso e idiota
quando os
recintos irromperem
em chamas.
Parti um membro
nas
manchetes, aparentemente,
deixei uma faca no lugar
e os políticos com narizes vermelhos.
Na televisão
o comentador elogiou-me
com adjetivos
mas a minha mãe não
está orgulhosa.
Ela queria que eu tivesse
penteado o cabelo.
Procurei sem sucesso
hematomas no status quo
enquanto o táxi se afastava.
Procurei sem sucesso
hematomas no status quo
enquanto o táxi se afastava.
Muitos telefonemas
e agradecimentos
mas eu sou ingrato
e estou atrasado para
a aula.
Tapo os meus ouvidos para
os aplausos.
Não se pode liderar
sem pisar
traindo os esqueletos
no seu caminho.
Sento-me com o cotovelo
na mesa.
Ambições humildes.
Fora da janela
um mundo grandioso
e eu não quero nada disto.
A 29
de novembro de 2021, antes de se apresentar perante a Assembleia
Geral das Nações Unidas, o jovem poeta
palestiniano Mohammed El-Kurd disse, em tom sarcástico: “Olá
comunidade internacional. Obrigado pelos magníficos discursos. Tenho a certeza
de que as autoridades da ocupação estão realmente preocupadas
neste momento.”
Há dois anos falei na ONU [Organização das Nações Unidas]. Fiz um
discurso na ONU por esta altura [do ano], no dia de solidariedade com o povo
palestiniano. E ao observar como a ONU, o TPI [Tribunal Penal Internacional] e
todos esses espaços têm operado, és recordado de como eles são completamente
inúteis. Então eu escrevi este poema sobre discursar na ONU e estou muito
interessado em ver como o tradutor interpretará a primeira linha:
terça-feira, 11 de fevereiro de 2025
“Um pouco mais de calma, camarada…” - César Vallejo
César Vallejo por Picasso
“Um pouco mais de calma,
camarada…”
“Um pouco mais de calma, camarada;
um muito imenso, setentrional, completo,
feroz, de calma pequena,
ao serviço menor de
cada triunfo
e na audaz servidão
do fracasso.
Sobra-te embriaguez, e
não há
tanta loucura na razão,
como este
teu raciocínio muscular, e
não há
mais racional erro que a
tua experiência.
mas, falando mais claramente
e pensando-o em ouro,
és aço,
a condição para que
não sejas
tonto e recuses
entusiasmar-te tanto
pela morte
e pela vida, apenas com a
tua tumba.
Necessário é que saibas
conter o teu volume sem correr,
sem afligir-te,
a tua realidade
molecular inteira
e mais além, a marcha dos
teus vivas
e mais aquém, os teus
sais lendários.
És de aço, como dizem,
desde que não tremas
e não
rebentes, compadre
do meu cálculo,
enfático afilhado
dos meus
sais luminosos!
Anda, apenas: resolve,
considera a tua crise,
soma, segue,
corta-a, baixa-a, puxa-a,
o destino, as energias íntimas,
os catorze
versículos do pão:
quantos diplomas
e poderes na borda confiável de
teu arranque!
Quanto detalhe em síntese, contigo!
Quanta pressão idêntica, a
teus pés!
Quanto rigor e
quanto patrocínio!
É idiota
esse método
de padecimento,
essa luz modulada
e virulenta,
se apenas com a calma
fazes sinais
sérios,
característicos, fatais.
Vejamos, homem:
conta-me o que me passa,
que eu, mesmo que grite, estou
sempre às tuas ordens.”
Otro poco de calma, camarada...
Otro poco de calma,
camarada;
un mucho inmenso, septentrional, completo,
feroz, de calma chica,
al servicio menor de cada triunfo
y en la audaz servidumbre del fracaso.
Embriaguez te sobra, y no hay
tanta locura en la razón, como este
tu raciocinio muscular, y no hay
más racional error que tu experiencia.
Pero, hablando más claro
y pensándolo en oro, eres de acero,
a condición que no seas
tonto y rehuses
entusiasmarte por la muerte tánto
y por la vida, con tu sola tumba.
Necesario es que sepas
contener tu volumen sin correr, sin afligirte,
tu realidad molecular entera
y más allá, la marcha de tus vivas
y más acá, tus mueras legendarios.
Eres de acero, como dicen,
con tal que no tiembles y no vayas
a reventar, compadre
de mi cálculo, enfático ahijado
de mis sales luminosas!
Anda, no más; resuelve,
considera tu crisis, suma, sigue,
tájala, bájala, ájala;
el destino, las energías íntimas, los catorce
versículos del pan: ¡cuántos diplomas
y poderes, al borde fehaciente de tu arranque!
¡Cuánto detalle en síntesis, contigo!
¡Cuánta presión idéntica, a tus pies!
¡Cuánto rigor y cuánto patrocinio!
Es idiota
ese método de padecimiento,
esa luz modulada y virulenta,
si con sólo la calma haces señales
serias, características, fatales.
Vamos a ver, hombre;
cuéntame lo que me pasa,
que yo, aunque grite, estoy siempre a tus órdenes.