sexta-feira, 17 de outubro de 2025
Liberdade - António Borges Coelho
quinta-feira, 16 de outubro de 2025
Adriano Correia de Oliveira - Tejo que levas as águas
9-4-1942 – 16-10-1982
Tejo que Levas as Águas
Tejo que levas as águas
Correndo de par em par
Lava a cidade de mágoas
Leva as mágoas para o mar
Lava-a de crimes espantos
De roubos fomes terror
Lava a cidade de quantos
Do ódio fingem amor
Lava bancos e empresas
Dos comedores de dinheiro
Que dos salários de tristeza
Arrecadam lucro inteiro
Lava palácios vivendas
Casebres bairros da lata
Leva negócios e rendas
Que a uns farta e a outros mata
Leva nas águas as grades
De aço e silêncio forjadas
Deixa soltar-se a verdade
Das bocas amordaçadas
Lava avenidas de vícios
Vielas de amores venais
Lava albergues e hospícios
Cadeias e hospitais
Afoga empenhos favores
Vãs glórias, ocas palmas
Leva o poder dos senhores
Que compram corpos e almas
Das camas de amor comprado
Desata abraços de lodo
Rostos corpos destroçados
Lava-os com sal e iodo
Tejo que levas as águas
Correndo de par em par
Lava a cidade de mágoas
Leva as mágoas para o mar.
(Santiago de Cacém, 15/10/1911-11/3/1993)
Poeta, romancista, contista e cronista, membro do Grupo Novo Cancioneiro,
presidente da Sociedade Portuguesa de Escritores.
quarta-feira, 15 de outubro de 2025
COME E DORME - Felix de Athsyde
COME E DORME
O pobre
lavra a terra (o seu dia é enorme) lavra a fome, a miséria: o rico come e
dorme.
O pobre
brita a pedra, (pedravida enorme) brita a fome, a miséria: o rico come e dorme.
O pobre
amassa o pão. (a sua fome é enorme) Mas, quem que come o pão? O rico. Come e
dorme.
Há fome no
Brasil (a miséria é enorme) o pobre morre de fome: o rico come e dorme.
O rico faz a
guerra (esse lucro enorme) o pobre come bala: o rico come e dorme.
O pobre pede
pão (esse crime enorme) o rico dá cadeia: se benze, come e dorme.
O rico come
e dorme. O rico dorme e come. Come a comida do pobre. O pobre dorme com fome.
A fome come
o pobre porque a fome não dorme. O rico diz: foi Deus. Depois, come e dorme.
O sono cristão:
enorme.
terça-feira, 14 de outubro de 2025
Desistir... - Letícia Lanz
Desistir...
eu já pensei seriamente nisso,
mas nunca me levei realmente a sério;
é que tem mais chão nos meus olhos
do que o cansaço nas minhas pernas,
mais esperança nos meus passos,
do que tristeza nos meus ombros,
mais estrada no meu coração
do que medo na minha cabeça.
Geraldo Eustáquio de
Souza (Letícia Lanz)
sexta-feira, 10 de outubro de 2025
O povo - FATMA GALIA
O povo
Era um
povo no deserto,
guerrilheiro
e ideal.
Era um
povo muito unido
que junto
tem de lutar,
era um
povo muito belo
que amou sempre
a liberdade,
era um
povo muito digno,
que só
defende a verdade,
e agora o
Polisario é tudo
Isto e muito mais.
El pueblo
Era un pueblo en el desierto,
guerrillero e ideal.
Era un pueblo muy unido
que junto ha de luchar,
era un pueblo muy hermoso
que siempre ama la libertad,
era un pueblo muy digno,
que sólo defiende la verdad,
y ahora el Polisario es todo
Esto y mucho más.
(De “Lágrimas de un pueblo
herido”)
terça-feira, 7 de outubro de 2025
“Beirute, 1982” - Etel Adnan,
Alguns
trechos do poema de Etel, “Beirute, 1982”, para
lembrar que estamos furiosos quanto uma tempestade.
“Beirute, 1982”,
Eu nunca acreditei
aquela vingança
seria uma árvore
crescendo no meu jardim
*
As árvores crescem em todas as direções
O povo palestino também:
deslocado
não gosto de borboletas
sem asas,
incapaz de voar,
carregado de amor
pelas suas fronteiras e pela sua
miséria,
ninguém pode ficar para trás para sempre
os bares
ou na chuva.
…
Nós nunca vamos chorar com lágrimas
mas com sangue.
…
Não será nos cemitérios onde
vamos plantar o grão
nem na palma da minha mão
Estamos furiosos como uma tempestade.
Cordialmente,
Vijay
para recordarnos que estamos tan furiosos como una tormenta.
Nunca creí
que la venganza
sería un árbol
creciendo en mi jardín
*
Los árboles crecen en todas direcciones
El pueblo palestino también:
desplazado
no como las mariposas
sin alas,
incapaz de volar,
cargado de amor
por sus fronteras y su
miseria,
nadie puede estar eternamente tras
las rejas
o bajo la lluvia.
…
Jamás lloraremos con lágrimas
sino con sangre.
…
No será en los cementerios donde
plantaremos el grano
ni en la palma de mi mano
Estamos furiosos como una tormenta.
Cordialmente,
Vijay
sábado, 4 de outubro de 2025
ANDEI MUITOS CAMINHOS - António Machado
ANDEI MUITOS CAMINHOS
Andei muitos caminhos,
abri muitas veredas;
Naveguei em cem mares,
e atraquei em cem ribeiras.
Em todas as partes vi
caravanas de tristeza,
soberbos e melancólicos
borrachos de sombra negra,
E pedantes por trás dos panos
que olham, calam, e pensam
que sabem, porque não bebem
o vinho das tabernas.
Diabólicas pessoas que caminham
e vai apestando a terra…
E em todas partes vi
pessoas que dançam ou jogam,
quando podem, e laboram
seus quatro palmos de terra.
Nunca, chegam a um lugar,
perguntam aonde chegam.
Quando caminham, cavalgam
nos lombos de mula velha,
E não conhecem a pressa
nem ainda nos dias de festa.
Onde há vinho, bebem vinho;
onde não há vinho, água fresca.
São boas gentes que vivem,
laboram, passam e sonham,
e em um dia como tantos,
descansam debaixo da terra.