VIAGEM
Nos meus tempos de
criança,
No meu musseque distante,
Lançava barcos de papel
Em viagens de três metros…
- Era o mar da bonança
e a vida não tinha fel!
VIAGEM
Nos meus tempos de
criança,
No meu musseque distante,
Lançava barcos de papel
Em viagens de três metros…
- Era o mar da bonança
e a vida não tinha fel!
PÃO ESCURO (1845)
Boa mãe, porque te preocupas?
Porque o teu pão é escuro? Só por isso?
Quando o teu filho não está em casa
Porventura é mais branco o pão que tens?
Põe-no à minha frente, tal qual é,
Deixa ser escuro. Melhor me sabe
O pão escuro aqui em casa, boa mãe,
Do que o pão branco noutro sítio qualquer,
(traduzido por José Blanc de Portugal)
COM PALAVRAS
Com palavras me ergo em cada dia!
Com palavras lavo, nas manhãs, o rosto
e saio para a rua.
Com palavras - inaudíveis – grito
para rasgar os risos que nos cercam.
Ah!, de palavras estamos todos cheios.
Possuímos arquivos, sabemo-las de cor
em quatro ou cinco línguas.
Tomamo-las à noite em comprimidos
para dormir o cansaço.
As palavras embrulham-se na língua.
As mais puras transformam-se, violáceas,
roxas de silêncio. De que servem
asfixiadas em saliva, prisioneiras?
Possuímos, das palavras, as mais belas;
as que seivam o amor, a liberdade...
Engulo-as perguntando-me se um dia
as poderei navegar; se alguma vez
dilatarei o pulmão que as encerra.
Atravessa-nos um rio de palavras:
Com elas me deito, me levanto,
e faltam-me palavras para contar...
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O Evangelho segundo o poeta’ De ti pouco mais sei do que o que li |
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E de tudo o que retive e que aprendi |
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Nenhum dos escritores te conheceu, |
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Por isso é que aprendi a duvidar |
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Que fizeste, tu, Amigo? Francamente! |
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Tu, que divino sempre te julgaste |
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Que surgiste, já homem, sem sabermos |
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Depois permaneceste errando, incerto, |
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Partiste rumo ao mar para pescar |
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Quem eras Tu, que assim se aventurava |
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Quem eras tu, surgido de repente |
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Que o Velho Testamento transformaste |
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Tu, que amaste as crianças com
ternura, |
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Que a fome por milagre mitigaste |
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Que à mulher conferiste a dignidade |
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Que morreste sozinho, abandonado |
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Questionaste o Pai sobre a razão |
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Disseram que depois ressuscitaste! |
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Mas não creio que tal seja verdade. |
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Eras tu, Jesus, o Deus que amava, |
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E por isso te via a todo o instante |
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Para mim nunca foste a divindade, |
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E se hoje creio em ti desta maneira |
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Morreste torturado numa cruz |
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Mas tão débil eu sou que não consigo |
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Por isso sinto a dor tão pertinaz |
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A minha cruz é de outra natureza |
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E só pensando em ti me tornarei |
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Porque a Vida, Jesus, é mesmo assim, |
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E se de nada mais tenho a certeza, |
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Do Bem e da Pureza soberano |
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Se como tu não passo de um mortal |
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E por isso te quero e te encareço |
Os advogados do Dólar
Inferno americano, pão nosso
empapado em veneno, há outra
língua em tua pérfida fogueira:
é o advogado nativo
da companhia estrangeira.
É ele que arrebita os grilhões
da escravidão em sua pátria,
e passeia desdenhoso
com a casta dos gerentes
a mirar com ar supremo
nossas bandeiras andrajosas.
Quando chegam de Nova York
as vanguardas imperiais,
engenheiros, calculistas,
agrimensores, peritos,
e medem terra conquistada,
estanho, petróleo, bananas,
nitrato, cobre, manganês,
açúcar, ferro, borracha, terra,
adianta-se um anão obscuro,
com um sorriso amarelo,
e aconselha com suavidade
aos invasores recentes:
Não é preciso pagar tanto
a estes nativos, seria
um crime, meus senhores, elevar
estes salários. Não convém.
Estes pobres-diabos, estes mestiços,
iriam só embriagar-se
com tanto dinheiro. Pelo amor de Deus!
São uns primitivos, quase
umas feras, conheço esta cambada.
Não paguem tanto dinheiro.
É adotado. Põem-lhe
libré. Veste como gringo,
cospe como gringo. Dança
como gringo, e vai subindo.
Tem automóvel, uísque, imprensa,
é eleito juiz e deputado,
é condecorado, é ministro,
e é ouvido no Governo.
Sabe ele quem é subornável.
Sabe ele quem é subornado.
Ele lambe, unta, condecora,
afaga, sorri, ameaça.
E assim se esvaziam pelos portos
as repúblicas dessangradas.
Onde mora, perguntareis,
este vírus, este advogado,
este fermento do detrito,
este duro piolho sanguíneo,
engordado de nosso sangue?
Mora nas baixas regiões
equatoriais, o Brasil,
mas sua morada é também
o cinturão central da América.
Podereis encontrá-lo na escarpada
altura de Chuquicamata.
Onde cheira riqueza sobe
os montes, cruza abismos,
com as receitas de seu código
para roubar a terra nossa.
Podereis achá-lo em Puerto Limón,
na Ciudad Trujillo, em
Iquique,
em Caracas, Maracaibo,
em Antofagasta, em Honduras,
encarcerando nosso irmão,
acusando seu compatriota,
despedindo peões, abrindo
portas de juízes e abastados,
comprando imprensa, dirigindo
a polícia, o pau, o rifle
contra sua família esquecida.
Pavoneando-se, vestido
de smoking, nas receções,
inaugurando monumentos,
com esta frase: Meus senhores,
a pátria, antes da vida,
é a nossa mãe, é o nosso chão,
vamos defender a ordena fazendo
novos presídios, novos cárceres.
E morre glorioso, “o patriota”,
senador, patrício, eminente,
condecorado pelo papa,
ilustre, próspero, temido,
enquanto a trágica ralé
de nossos mortos, os que fundiram
a mão no cobre, arranharam
a terra profunda e severa,
morrem batidos e esquecidos,
postos às pressas
em seus caixões funerários:
um nome, um número na cruz
que o vento sacode, matando
até a cifra dos heróis.
A GREVE
(em solidariedade às companheiras e companheiros em greve)
a greve
é grave
a greve não teme
a chuva
e nem teme
que o trabalhador morra a fome
a fome é porca
e o trabalhador usa o pouco
que lhe resta
para cruzar os braços e parar
a greve pode - e deve - parar
A GREVE
DOS POETAS
Poetas em greve, sim.
Agora e já!
Por que não?
Não entraram os bancários?
Os ferroviários?
Os servidores do Estado?
É legítima nossa reivindicação.
Não viu, no Brasil?
Todo trabalhador
de braço cruzado.
Investigador e escrivão.
Coveiros sem enterros.
Policiais no Maranhão.
Poetas, avante, à luta,
é hora de união.
De coração parado,
em silêncio,
tomemos a multidão.
Mostremos que somos
uma categoria.
A cidade sem palavras,
nada de saraus na periferia.
A população pedirá
urgentemente
a nossa volta ao trabalho.
Tenho certeza,
bem sei.
Quem quer ver a poesia assim,
para sempre,
morta de uma vez?