31.2. / O Sentimento dum Ocidental
A Guerra
Junqueiro
I
Ave-Maria
Nas nossas ruas,
ao anoitecer,
Há tal
soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo,
a maresia
Despertam-me um
desejo absurdo
de sofrer.
O céu
parece baixo e de neblina,
O gás
extravasado enjoa-me, perturba;
E os edifícios,
com as chaminés,
e a turba
Toldam-se duma cor
monótona e londrina.
Batem os carros
de aluguer, ao fundo,
Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em
revista exposições,
países:
Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o
mundo!
Semelham-se a gaiolas,
com viveiros,
As edificações
somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das
badaladas,
Saltam de viga
em viga
os mestres carpinteiros.
Voltam os calafates, aos magotes,
De jaquetão
ao ombro, enfarruscados, secos;
Embrenho-me, a cismar,
por boqueirões,
por becos,
Ou erro pelos cais a que se
atracam botes.
E evoco, então,
as crónicas navais:
Mouros, baixéis, heróis, tudo
ressuscitado!
Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!
Singram soberbas
naus que
eu não
verei jamais!
E o fim
da tarde inspira-me; e incomoda!
De um
couraçado inglês vogam os
escaleres;
E em
terra num tinir de louças e talheres
Flamejam, ao jantar,
alguns hotéis da moda.
Num trem
de praça arengam dois
dentistas;
Um trôpego arlequim
braceja numas andas;
Os querubins
do lar flutuam nas varandas;
Às portas,
em cabelo,
enfadam-se os lojistas!
Vazam-se os arsenais
e as oficinas;
Reluz, viscoso, o rio, apressam-se as obreiras;
E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,
Correndo com firmeza, assomam as varinas.
Vêm sacudindo as ancas
opulentas!
Seus troncos
varonis recordam-me pilastras;
E algumas, à cabeça,
embalam nas canastras
Os filhos que depois
naufragam nas tormentas.
Descalças! Nas descargas
de carvão,
Desde manhã
à noite, a bordo
das fragatas;
E apinham-se num bairro
aonde miam gatas,
E o peixe podre gera os focos
de infecção!
Cesário Verde
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