TENTATIVA DE DESCRIÇÃO DE UM
BANQUETE DE MÁSCARAS
EM PARIS FRANÇA
(Publicado em
Commerce em
1931)
Os que
piedosamente…
Os que
copiosamente…
Os que
embandeiram
Os que
inauguramos que crêem
Os que crêem crer
Os que crocitam
Os que pavoneiam
Os que se
aproveitam
Os que
sentenciam
Os que
atropelam
Os que incham
Os que
papagueiam
Os que lambem botas
Os que têm barriga cheia
Os que baixam
os olhos
Os que sabem desossar o frango
Os que são carecas por dentro da cabeça
Os que abençoam
as tropas
Os que bajulam
Os que incensam
os mortos
Os que espetam baionetas
Os que dão canhões aos filhos
Os que dão filhos aos canhões
Os que se
mantêm à tona sem
nunca irem ao fundo
Os que não tomam o Pireu por
homem
Os que têm asas de gigantes
que os impedem de voar
Os que em sonhos
espetam cacos de garrafa
na grande muralha
da China
Os que põem máscara de lobo quando comem carneiro
Os que roubam ovos e não se atrevem a cozê-los
Os que têm quatro mil oitocentos e dez metros de Monte
Branco,
(…)
O sol
brilha para todos, não brilha nas prisões, não brilha
para os que trabalham na mina,
para os que escamam peixe
para os que comem carne estragada
para os que fabricam ganchos para o cabelo
para os que sopram garrafas vazias que outros beberão
cheias
para os que cortam o pão com as suas facas
para os que passam as férias nas fábricas
para os que não sabem o que convém dizer
para os que mugem as vacas mas não bebem o leite
para os que não são anestesiados no dentista
para os que cospem os pulmões no metropolitano
para os que fabricam nas caves as canetas com as quais
outros escreverão ao ar livre que tudo corre bem
para os que têm demasiado para dizer para poderem
dizê-lo
para os que têm trabalho
para os que não o têm
para os que procuram trabalho
para os que não o procuram
para os que dão de beber aos cavalos
para os que vêem o seu cão morrer
para os que têm o pão nosso de cada dia relativamente
semanal
para os que no inverno se aquecem nas igrejas
para os que o sacristão manda ir aquecer-se lá fora
para os que vivem na miséria
para os que queriam comer para viver
para os que viajam ao rés das rodas
para os que vêem correr o Sena
para os que são contratados, despedidos, aumentados,
dispensados, manipulados, revistados, agredidos
para os que têm ficha na polícia
para os que são escolhidos ao acaso para serem
fuzilados
para os que são obrigados a desfilar sob o Arco do
Triunfo
para os que não têm maneiras em parte nenhuma
para os que nunca viram o mar
para os que cheiram a linho porque trabalham no linho
para os que não têm água corrente
para os que estão condenados à farda azul*
para os que deitam sal na neve por salário irrisório
para os que envelhecem mais depressa que os outros
para os que não se baixaram para apanhar um alfinete
para os que morrem de tédio ao domingo à tarde
porque vêem aproximar-se a segunda-feira
e a terça-feira, e a quarta, e a quinta e a sexta-feira
e o sábado
e o domingo à tarde.
- extrato pag 13 a 31
Edição bilingue de
Paroles de Jacques Prévert
Tradução de Manuela
Torres
*Cor da farda dos soldados rasos a partir de1 915
1 comentário:
Há flores no chão que pisamos
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