sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Mar novo - Manuel Rui Alves Monteiro

Mar novo

1

E a embarcação aparecia como um barco de recreio.
Do pescador a musculatura dolorosamente suada
merecia uma simples pincelada
de silhueta negra
impressionismo fácil
afirmação exótica de que o dongo
não andava sozinho.

2

Mas é novo este azul    tela rasgada
é novo o nosso olhar.
É nova esta forma gestual de espuma
feita sabor de amor de guerra e de vitória
em nossas bocas férteis em nossa pálpebras
de antigo medo clandestino
soletrando a lágrima
quando era o nosso mar recordação também
escravizada:
caminho secular de ir e não vir.

3

É nova esta areia
este marulhar de fogo nos ouvidos
quase notícia do rebentamento maior
sobre o inimigo.
É novo este calor como se o sol
fosse um ananás coletivo suculento
rasgado pelos dedos da madrugada mais quente
e mais suave.

4

E é bom medir a água evaporada
sobre a concha
a alga
a rocha.
Medir também teu corpo natural
onde encontrar a boca
os pés
os olhos
a palavra.

5

E é bom verificar as mãos. Principalmente
as nossas mãos umedecidas pelo mar.
As mãos que tocam as coisas
As mãos que fazem as coisas
As mãos. As mãos terminal de carga
e de descarga do nosso pensamento
As mãos mergulhadas sob a água.
na (re)descoberta tímida das essências
no pulsar submarino de uma nova esperança.

6

Tudo é fugaz
entre o desenho do teu pé na areia
e a onda que desfaz
a marca

Entre a guerra e a paz
retorno fisicamente o poema      a onda
constante meditação primeira.

Nós e as coisas.

Nada permanece que não seja
para a necessária mudança.
 Que o diga o mar.



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