sábado, 21 de abril de 2018

ELOGIO DA TERCEIRA COISA de A foz em Delta - Manuel Gusmão

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ELOGIO DA TERCEIRA COISA

Entre mim e ti há a terceira coisa
aquela que nos põe ao alcance da mão
os nomes todos das coisas e as coisas sem nome

quando a multidão sagrada dos pronomes pessoais nos
permitir dizer nós contra o tempo e o vento
Nós que aos cinco sentidos acrescentamos os outros
Nós a sensibilidade que imagina o comum

quando uma multidão deixa de ser
um rebanho de escravos para começar a ser
uma assembleia de humanos livres
de pé no chão da terra discutimos o que fazer
pelas mãos em concha bebíamos a água
onde a luz do sol cintila irisando-a
Nós que para além de ti e de mim somos

A terceira coisa : a promessa sem garantias
a invenção do incomum que partilha o comum

o comunismo que vem connosco
e para além de nós recomeça.

A foz em Delta
Três Poemas
Em Memória de
Álvaro Cunhal


A poesia pode ser uma forma de resistência
 
Pode sê-lo. Sempre, por definição, ou seja, em determinados contextos, sociais, políticos, culturais. 
 
Hoje, em algum dos lugares em que a história da modernidade de longa duração continua a vir e a inscrever-se nos tempos, alguma poesia continua a resistir. Ela resiste à quantidade de barbárie que em cada tempo insiste. Ela lê em cada tempo quais as ameaças e, consoante o seu teor, o seu perigo, por um lado e, por outro lado, o seu modo de oposição e o desejo que trabalha a sua poética, ela responderá. Ela preserva, assim, aberto ao humano, o reino da possibilidade e das transformações. 
 
Dizer que a poesia resiste é afirmar que ela é uma específica resistência à sua completa apropriação pela mente ou pelo espírito. É pensar a materialidade do seu fazer (poiesis e poiema), retirando-a do campo de acção de qualquer política do espírito.

Manuel Gusmão 


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