quarta-feira, 25 de abril de 2018

Rascunho de uma Epístola - Natália Correia


Rascunho de uma Epístola

Entre sobas solertes e solenes
Aqui estou de poeta e de passagem.
Das 25 pombas deste Abril
As melhores levo em versos na bagagem.

E aqui as solto transidas e alertadas
Pelo hálito do medo que já volta
E cada uma delas é uma concha
Carregando uma pérola de revolta.

Aqui eu as desprendo contra a noite
Que já da liberdade os trevos pisa
E cada uma delas é um rio
Desfiando uma prata insubmissa.

Se o país que na esperança exercitámos
For um desvão de Abril apunhalado
Onde a vida reclama a plenitude
É que o poeta é febre é raiva é dardo.

É canto arterial é um centauro
Com uma flecha de música no flanco
É toda a luz na boca e a liberdade
É o mais certeiro tiro do seu canto.

Enquanto lira for de luz cantada
O poeta sem repouso no combate,
A luta não termina quando perde
A cor nos cravos que a escuridão abate.

Natália Correia
Poema de Natália Correia (in "O Sol nas Noites e o Luar nos Dias II", Lisboa: Projornal/Círculo de Leitores, 1993 – p. 75-76; "Poesia Completa", Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1999 – p. 406-407)


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