quarta-feira, 4 de abril de 2018

SAMBA - NOÉMIA DE SOUSA

SAMBA

No oco salão de baile
cheio de luzes fictícias da civilização
dos risos amarelos
dos vestidos pintados
das carapinhas desfrisadas da civilização,
o súbito bater da bateria do jazz
soou como um grito de libertação,
como uma lança rasgando o papel celofane das composturas forçadas.
Depois,
veio o som grave do violão
a juntar-lhe o quente latejar das noites
de mil ânsias de Mãe-África,
e veio o saxofone
e o piano
e as maracas matraqueando ritmos de batuque,
e todo o salão deixou a hipocrisia das composturas encomendadas
e vibrou.
Vibrou!
As luzes fictícias deixaram de existir.
E quem foi que disse que não era o luar dos shigombelas,
aquela luz suave e quente que se derramou no salão?
Quem disse que as palmeiras e os coqueiros,
os cajueiros
os canhoeiros,
não vieram com suas silhuetas balouçantes
rodear o batuque?
Ah! na paisagem familiar,
os risos se tornaram brancos como mandioca
os requebros na dança traziam a febre primitiva
de batuques distantes,
e os vestidos brilhantes da civilização desapareceram
e os corpos prosseguiram, vitoriosos,
sambando e chispando,
dançando, dançando...
Os ritmos fraternos do samba,
trazendo o feitiço das macumbas,
o cavo bater das marimbas gemendo
lamentos despedaçados de escravo,
oh ritmos fraternos do samba quente da Baía!
Pegando fogo no sangue inflamável dos mulatos,
fazendo gingar os quadris dengues das mulheres,
entornando sortilégio e loucura
nas pernas bailarinas dos negros...
Ritmos fraternos do samba,
herança de África que os negros levaram
no ventre sem sol dos navios negreiros
e soltaram, carregados de algemas e saudade,
nas noites mornas do Cruzeiro do Sul!
Oh ritmos fraternos do samba,
acordando febres palustres no meu povo
embotado das doses do quinino europeu...
Ritmos africanos do samba da Baía,
com maracas matraqueando compassos febris
– que é que a baiana tem, que é? –
violões tecendo sortilégios de xicuembos
e atabaques soando, secos, soando...
Oh ritmos fraternos do samba!
Acordando o meu povo adormecido à sombra dos imbondeiros,
dizendo na sua linguagem encharcada de ritmos
que as correntes dos navios negreiros não morreram, não,
só mudaram de nome,
mas ainda continuam,
continuam,
oh ritmos fraternos do samba!



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