Quanta coisa eu contaria se pudesse
E soubesse ao menos a língua como a cor.
E soubesse ao menos a língua como a cor.
Portinari, 25 de outubro de 1958
Deus de Violência
Os retirantes vêm vindo com trouxas
e embrulhos
Vêm das terras secas e escuras;
pedregulhos
Doloridos como fagulhas de carvão
aceso
Corpos disformes, uns panos sujos,
Rasgados e sem cor, dependurados
Homens de enorme ventre bojudo
Mulheres com trouxas caídas para o
lado
Pançudas, carregando ao colo um
garoto
Choramingando, remelento
Mocinhas de peito duro e vestido
roto
Velhas trôpegas marcadas pelo tempo
Olhos de catarata e pés informes
Aos velhos cegos agarradas
Pés inchados enormes
Levantando o pó da cor de suas
vestes rasgadas
No rumor monótono das alparcatas
Há uma pausa, cai no pó
A mulher que carrega uma lata
De água! Só há umas gotas — Dá uma
só
Não vai arribar. É melhor o marido
E os filhos ficarem. Nós vamos
andando
Temos muito que andar neste chão
batido
As secas vão a morte semeando.
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